Pai de Carnaval - Episódio 03: Pai de Primeira Viagem



JÚLIO NARRANDO:
Eu não queria acreditar naquilo que os meus olhos estavam vendo. É ela! A anja. A garota com quem eu fiquei em um carnaval anos atrás. Como isso seria possível, gente? Se ela é a mãe do garoto, então tem chances sim deu ser o pai dele. Naquele momento a minha vontade era de sair daquela lanchonete, levá-la para o meu apartamento e enchê-la de perguntas. Por que ela nunca me procurou? Por que ela escondeu que estava grávida? Rodrigo realmente é meu filho?
Mas a minha missão naquele momento não era essa. Era saber se Rodrigo sofria agressão da família. Se não, o que realmente teria causado aquelas marcas no ombro do garoto. Então eu precisava manter o foco na frente dela. Apesar dela continuar a mesma anja de anos atrás.

[CENA 01 – LANCHONETE/ NOITE]
JÚLIO – Então é verdade!
BRUNA – Mundo pequeno não é mesmo? (os dois sorriem, e Rodrigo repara que algo está rolando ali)
RODRIGO – Vocês se conhecem? (os dois respondem ao mesmo tempo)
JÚLIO – Sim.
BRUNA – Não. (Rodrigo fica confuso, e o pai dele volta da cozinha)
SAMUEL – Chegou amor. (a beija) Este é o professor do Rodrigo. Ele quer falar com a gente.
JÚLIO – É melhor o garoto não ouvir a nossa conversar.
SAMUEL – Não se preocupa, ele já vai se ocupar com as louças lá na cozinha. (Rodrigo sai de cabeça baixa, após receber o olhar sério do pai) Pronto, sozinhos, agora você pode dizer o que quer falar sobre o meu filho. (Júlio ainda continua olhando para a mãe de Rodrigo, ela com a presença do marido, fica com a cabeça baixa olhando para o lado) Está tudo bem aqui? (repara a situação e fica desconfiado)
JÚLIO – (volta a ter foco) Sim, ainda bem que o menino foi para cozinha. O assunto que vou ter é sério.
SAMUEL – Você está desde manhã falando isso.
JÚLIO – Está bem, um professor notou hoje, quando o Rodrigo estava fazendo exercícios na quadra, umas marcas roxas no ombro dele, e este mesmo professor, tem certeza que essas marcas iriam até as costas do garoto.
SAMUEL – O que você quer dizer com isso?
JÚLIO – Eu não estou querendo afirmar nada, mas, esse professor suspeita que o menino tenha sido agredido...
SAMUEL – (interrompe) Você veio até aqui para acusar a gente de bater no nosso filho?
JÚLIO – Não estou acusando ninguém meu amigo...
SAMUEL – (exalta a voz) Eu não sou seu amigo.
BRUNA – Calma amor.
SAMUEL – Eu estou calmo, não se preocupa. Olha aqui, eu e minha mulher nunca tocamos no nosso filho, certo que damos algumas broncas, uns corretivos leves, mas é para discipliná-lo, nunca para ficar marcas.
JÚLIO – Só que bater não disciplina ninguém. Há outros métodos melhores para isso.
SAMUEL – Não acredito que agora você quer me ensinar como educar meu filho. Você não sabe o quanto é difícil cuidar dessa família inteira, dessa lanchonete, claro, que a vida de professor é bem mais fácil, não exige muito esforço físico né. Vai lá, passar umas atividades, dar algumas notas, e pronto, final do mês está lá seu salário.
JÚLIO – Você se engana, professor é mais que isso. E não estou aqui pra discutir sobre qual a melhor profissão, vim saber do menino.
SAMUEL – Pois você já pode ir. O menino está bem, e nunca machucaríamos nosso filho.
JÚLIO – Quero ouvir o que a mãe tem a dizer agora?
SAMUEL – Anda mulher, confirma se já tocamos alguma vez no Rodrigo?
BRUNA – Não. Tanto eu como meu marido, nunca tocamos no Rodrigo.
JÚLIO – Então deve ser verdade o que ele disse.
SAMUEL – E o que ele disse?
JÚLIO – Que essas marcas são de tanto ajudar o pai a carregar algumas caixas de cerveja para o fundo da lanchonete.
SAMUEL – Verdade, ontem eu e ele carregamos um caminhão cheio de cerveja.
JÚLIO – Por que você não contrata outro adulto para ajudar nesses serviços?
SAMUEL – Porque a situação não tá fácil, e Rodrigo é meu filho, e tem que me ajudar.
JÚLIO – Mas ele também tem que estudar, não pode trabalhar e estudar ao mesmo.
SAMUEL – Ele tem à noite para estudar.
JÚLIO – E que horas ele vai dormir? Parece que você esqueceu o que foi dito na reunião semana passada.
SAMUEL – Não esqueci, apenas eu sozinho não dou conta da lanchonete inteira.
JÚLIO – Contrate outro adulto!
SAMUEL – Eu acho que você está se metendo demais na minha família, está tarde, e acho melhor o senhor ir. (Roberto está lá fora com o carro, e buzina dando sinal para Júlio)
JÚLIO – Você tem razão, minha carona chegou. (olha para a mãe de Rodrigo, mas ela desvia o olhar e vai para de trás do balcão)
SAMUEL – Espero que vocês professores parem de se preocupar um pouco com o meu filho, e prestem atenção nos outros alunos.
JÚLIO – Só vim fazer o meu trabalho, para o bem do garoto.
SAMUEL – O garoto está bem com a família dele.
JÚLIO – (conformado) Boa noite, então. (Samuel não responde, Júlio volta olhar para a Bruna, mas ela está de costa fingindo arrumar alguma coisa, então vai embora)
[DENTRO DO CARRO]
ROBERTO – Então?
JÚLIO – Eles não bateram no garoto.
ROBERTO – E aquelas marcas?
JÚLIO – Realmente são de carregar caixas de bebidas.
ROBERTO – Não, não são de carregar caixas, eu conheço aquelas marcas.
JÚLIO – Eu também vi as marcas Roberto, e também não cai nessa história. Vamos, tenho algumas atividades para preparar ainda. (Roberto liga o carro)
ROBERTO – Mas então, viu a anja?
JÚLIO – Vi, ela realmente é a mãe do menino.
ROBERTO – Eu não disse, viu eu estava certo e você está errado, como sempre. (e os dois vão embora ainda conversando)
[DENTRO DA LANCHONETE]
SAMUEL – (raiva) Está vendo o que seu filho fez?
BRUNA – Mas a culpa é sua, por ter espancando o menino daquele jeito.
SAMUEL – Quer dizer que a culpa é minha... (segura forte o braço dela) ... a culpa é sua que não soube educar o seu filho direito. Mas vou dar uma lição nele, que ele vai aprender. (larga ela e caminha em direção à cozinha)
BRUNA – O que você vai fazer? (entra no meio do caminho) Se você voltar a bater nele, eles vão desconfiar e vão voltar aqui de novo.
SAMUEL – Eu não vou bater nele. Só vou dar um aviso, pra ele ter cuidado da próxima vez. E como castigo, ele vai limpar a lanchonete inteira hoje à noite. (passa na frente dela, e entra na cozinha. Bruna volta para o balcão, ouve os gritos de Samuel, fica triste)

Amanhecendo...

[CENA 02 – C.E. RICARDO ALVEZ/ CORREDOR – SALA – QUADRA/ DIA]
 (Júlio estava curioso para ver Rodrigo após aquela conversa com o pai do garoto. Aproveitando que estava em horário vago, foi até a sala do garoto vigiá-lo. Ele fica de trás da porta, procura o garoto e o encontra dormindo sobre a cadeira. A professora que estava dando aula, também repara nele dormindo e o acorda. Minutos depois, Júlio repara que Rodrigo dormiu novamente. Desconfiado de que o garoto tenha dormido tarde ontem à noite, decidiu esperar a aula terminar e conversar com ele)
JÚLIO – (a aula acabou, Rodrigo está sozinho na sala dormindo, quando Júlio entra e o acorda) A noite não foi boa, hein?
RODRIGO – (sonolento) O que o senhor está fazendo aqui?
JÚLIO – Vim conversar com você. Está tudo bem?
RODRIGO – Não tenho nada que conversar com o senhor. (levanta da cadeira e caminha até a porta sonolento)
JÚLIO – Espera, eu fiz alguma coisa?
RODRIGO – Fez. O senhor não tinha nada que ter ido reclamar das minhas marcas com meu pai.
JÚLIO – (preocupado) Ele te fez alguma coisa?
RODRIGO – (pensa em contar, mas seu medo é maior) Não fez nada, só que o senhor nem meu professor é, pra ter que falar algo sobre mim para os meus pais.
JÚLIO – Desculpa, queria apenas o seu bem.
RODRIGO – Por quê? O senhor não é nada meu e mal me conhece?
JÚLIO – Mas você é um aluno, e eu como professor...
RODRIGO – Faz o seguinte, se preocupe apenas com os seus alunos, está bem. (sai da sala)
[QUADRA]
ROBERTO – Você acha que ele fez alguma coisa com o menino?
JÚLIO – Não sei, mas hoje ele chegou muito cansado, dormiu a aula quase toda.
ROBERTO – Temos que ter alguma prova sobre o pai desse garoto.
JÚLIO – Questão agora é que prova, Roberto?

Anoitecendo...

[CENA 03 – APARTAMENTO DO JÚLIO/ COZINHA – SALA/ NOITE]
JÚLIO – (está na cozinha, ao telefone com sua ex mulher) Eu sei que esse final de semana é meu, mas eu estou ocupado com uma coisa. Será que não pode adiar para o próximo? Não, não é isso, eu não estou tentando fugir das minhas responsabilidades, você sabe que não sou disso. Sim, essa coisa que estou fazendo é muito séria. Claro que é sobre a escola. Está bem, já que com você não tem como entrar em acordo, eu fico com os meninos esse final de semana. Está bem, tchau. (desliga e volta para sala, onde Roberto está vendo TV)
ROBERTO – Ficou com as crianças?!
JÚLIO – Fiquei, esse final de semana é meu. Pior que se eu ficar com eles, não vou poder seguir aquele cara.
ROBERTO – Está esquecendo do seu parceiro aqui?!
JÚLIO – Não né, só que eu queria ficar de olho em qualquer passo daquela família.
ROBERTO – Sei, está me parecendo que você quer ficar de olho é na mãe do garoto, a tal anja...
JÚLIO – (ri) Nela também. Mas é sério Roberto, você vai me contar tudo o que descobrir, ouviu?
ROBERTO – Pode ficar tranquilo cara, afinal, quem foi que te avisou sobre o garoto?
JÚLIO – Você.
ROBERTO – Então, confia que qualquer coisa nova ou suspeita eu vou te contar.

Amanhecendo...

[CENA 04 – LANCHONETE/ DIA]
 (Roberto passa o dia vigiando a lanchonete, mas tudo na normalidade. No domingo, ele repete o mesmo esquema e encontra tudo na mesma normalidade)

JÚLIO NARRANDO:
A minha vontade era ficar espionando junto com Roberto, investigar mais essa família, me aproximar da minha anja. Só que tinha que cuidar dos meus filhos também, não que Rodrigo não fosse meu filho, enfim... vocês entenderam. Meu final de semana foi praticamente jogar vídeo game com o Gabriel, enquanto Lívia ficou trancada no quarto dela.
Sei lá, desde que Lívia entrou na adolescência, ela tem se distanciando um pouco de mim. Era adorava os nossos finais de semana, dizia até que queria morar comigo, do que com a mãe dela. Por enquanto, a minha relação com o Gabriel continua a mesma. Embora a fase adolescente dele esteja chegando também.
Fico imaginando como seria se o Rodrigo tivesse crescido junto com eles. Será que a minha vida seria diferente? Será que a Lívia e o Gabriel teriam existido se a minha anja tivesse me procurado anos atrás? Será que eu teria conhecido a mãe dos meninos? São tantos questionamentos, pessoal...

Dias Seguintes...

[CENA 05 – C.E. RICARDO ALVEZ/ QUADRA/ DIA]
JÚLIO – Nada?
ROBERTO – Nada. O garoto só ajudou o pai, serviu algumas mesas, e mais nada.
JÚLIO – Logico que no meio de tantas pessoas ele não iria fazer nada. O fato é o que aconteceu depois do expediente, apenas a família reunida.
ROBERTO – É, agora isso eu não podia fazer, porque não sou da família.
JÚLIO – Mas você já ajudou muito cara, valeu mesmo.
ROBERTO – Agora seria bom se alguém próximo da gente se aproximasse dele.
JÚLIO – Mas quem? (Roberto aponta para a entrada/saída da quadra, e Rodrigo está conversando com a filha de Júlio, a Lívia) Eles se conhecem?!
ROBERTO – Pelo o jeito da conversa, e que os dois não param de sorrir, sim.
JÚLIO – Mas espera, ali é só amizade né? Porque você sabe que eles...
ROBERTO – Calma, minha experiência em relacionamentos garante que eles são só amigos. Olha só a distância entre os dois. Outra, eles não se olham nos olhos diretamente.
JÚLIO – Mesmo assim, acho que vou lá.
ROBERTO – Não, nem pensar. Você quer estragar tudo?
JÚLIO – Como assim?
ROBERTO – Se você for lá, ele vai saber que ela é sua filha, e com certeza ele vai se afastar dela.
JÚLIO – É, você tem razão.
ROBERTO – Agora, deixa que depois eu vou lá e tento descobrir alguma coisa pra você. (sinal toca)
JÚLIO – Vou voltar pra sala, qualquer coisa, você me conta no apartamento. (Júlio sai da quadra, Roberto vai até a sala dos professores procurar algo para comer, Lívia e Rodrigo também somem dali)

Mais Tarde...

[CENA 06 – C.E. RICARDO ALVEZ/ QUADRA/ DIA]
 (os alunos estão saindo, Roberto também. Como Júlio saiu mais cedo, ele foi primeiro para o apartamento. Na saída, Roberto encontra novamente Rodrigo e Lívia conversando, dessa vez diferente da situação anterior. Os dois estão mais próximos, Lívia parece chorando e nervosa, já Rodrigo parece sério. Roberto se esconde, aproveita para espionar um pouco. Minutos depois a mãe de Lívia chega e a leva embora. Aproveitando que Rodrigo estava sozinho, Roberto vai até ele)
ROBERTO – Está tudo bem cara?
RODRIGO – (grosso) O senhor também vai querer se intrometer na minha vida?!
ROBERTO – Calma, só queria saber o que estava acontecendo.  Vi você e sua amiga conversando, ela me parecia que estava chorando, está tudo bem?
RODRIGO – Está.
ROBERTO – Olha, eu sou seu professor na escola, mas aqui fora, você pode me ver como um amigo, então pode confiar em mim.
RODRIGO – (pensa em contar o que está acontecendo, e começa a chorar) Eu não sei o que fazer, professor? (o abraça e Roberto fica surpreso)

[CENA 07 – PRAÇA/ DIA]
(Rodrigo e Roberto foram até uma praça, e agora com Rodrigo mais calmo, Roberto tenta saber o que está acontecendo)
ROBERTO – Você e sua amiga brigaram?
RODRIGO – Aquela garota não é minha amiga.
ROBERTO – (preocupado) Não é sua amiga?
RODRIGO – Ela é minha namorada.
ROBERTO – (surpreso) Namorada?! Sério?
RODRIGO – É.
ROBERTO – O que houve entre você e sua namorada?
RODRIGO – Estamos namorando há quase quatro meses, e dois meses atrás tivemos a nossa primeira... (não termina, e começa fazer uns sinais com as mãos, e obviamente, Roberto entendeu deixando-o mais surpreso)
ROBERTO – Você e ela...?
RODRIGO – Ficamos algumas vezes já.
ROBERTO – Minha nossa!
RODRIGO – E hoje, ela estava me contando, que esses últimos dias, ela tem sentido uns enjoos, desmaios...
ROBERTO – Espera, calma que é muita informação pra minha cabeça.
RODRIGO – Como assim professor?
ROBERTO – Deixa eu ver se entendi a situação. Você está namorando com aquela garota há quase quatro meses, ficaram e ela agora aparece enjoada?
RODRIGO – Isso!
ROBERTO – Então... você quer me dizer que ela está...?
RODRIGO – Ela está grávida.

[CENA 08 – APARTAMENTO DE JÚLIO/ SALA/ DIA]
(Júlio está organizando algumas atividades em sua mochila, quando a campainha toca. Coloca a mochila em cima do sofá, caminha até à porta e se surpreende com quem aparece em sua frente)
JÚLIO – (surpreso) Você?
BRUNA – Oi! Será que podemos conversar?!

Contínua no Episódio Quatro...

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