Pai de Carnaval - Episódio 07: A Última Promessa



JÚLIO NARRANDO:
Eu e Bruna decidimos não ir mais atrás dos garotos. Ela acredita que se fizermos isso, eles só iriam se afastar mais da gente. Que o correto agora seria deixá-los quietos, que era só questão de tempo que eles mesmos viriam atrás da gente. Talvez ela estivesse certa. Afinal, se não encontrássemos os garotos, Samuel não colocaria a mão em Rodrigo, e o protegeríamos de alguma forma.
Infelizmente estávamos errados, no final das contas, Samuel acabou encontrando-o, e nenhum de nós estava lá para protegê-lo.

[CENA 01 – CASA DE RODRIGO/ SALA/ TARDE]
(Samuel entra puxando o braço de Rodrigo, ainda furioso. Rodrigo, apesar de estar com medo do jeito de seu pai, tenta se manter forte, pois queria enfrentá-lo)
SAMUEL – (o jogado com força no sofá) O que você fez com o meu dinheiro, moleque?
RODRIGO – Eu vou devolver ele para o senhor. Não precisa se preocupar.
SAMUEL – (volta segura o braço dele com força, o levanta do sofá) Vai. Você vai me devolver nem que eu tenha que tirar isso do teu couro.
RODRIGO – (cria coragem e puxa seu braço, se afasta de Samuel) O senhor não vai tocar em mim, nunca mais.
SAMUEL – Não vou? (começa a tirar o cinto) Eu sou seu pai, moleque. E eu dessa vez vou te ensinar a ser um homem de verdade. (caminha até ele, Rodrigo se afasta, os dois começam a girar ao redor do sofá)
RODRIGO – Eu sei da sua outra família. Eu vi o senhor conversando com uma mulher hoje pela manhã e vocês pareciam bem íntimos. (Samuel fica surpreso, mas sua raiva não faz parar de perseguir Rodrigo pela sala)
SAMUEL – Você não viu nada.
RODRIGO – Vi sim!! Vi você, aquela mulher e a menininha. O senhor sempre me diz para ser homem de verdade, quando o senhor não sabe o que é isso.
SAMUEL – Não me provoca garoto, porque se eu te pegar, tenho até pena do que vou fazer.
RODRIGO – Homem de verdade cuida da sua família. Homem de verdade ama sua esposa e seu filho. Algo que o senhor nunca foi capaz de fazer. Nunca foi capaz de demostrar um ato de carinho. (começa a chorar) Eu sim vou ser um homem de verdade, pois eu amo minha namorada. Amo minha mãe, e vou amar meu filho. E o senhor nunca mais vai me ver.
SAMUEL – Tô achando que esse cinto não vai te educar como eu quero. (joga o cinto em cima do sofá e procura por outra coisa para bater em Rodrigo)
RODRIGO – O senhor pode até me bater, me espancar a vontade. Só que será a última que vez que fará isso comigo. Eu vou fugir de novo, e dessa vez vou pra longe.
SAMUEL – Pode fugir garoto, eu vou te encontrar de novo, e de novo, e de novo. (os dois continuam girando em torno do sofá, Samuel passa pela mesinha da sala, e encontra alguns fios de instalação elétrica embaixo dela enrolados. Ele os pega, os desenrola ainda perseguindo Rodrigo)
RODRIGO – (assustado ao ver o pai juntando aqueles fios ao redor de sua mão) O que o senhor vai fazer com fios?
SAMUEL – Eu vou te corrigir, garoto.
RODRIGO – O senhor está louco? (se desespera e pensa em uma forma de fugir dali) Socorro!!! (começa a gritar)
SAMUEL – Pode gritar, mas ninguém vai me impedir de te dar uma lição. (corre atrás de Rodrigo, que tenta fugir, mas ao receber uma chicotada dos cabos enrolados na mão de Samuel, grita de dor e acaba caindo no chão)
RODRIGO – (chorando, aterrorizado) Por favor, pai, não me bate. Pai não me bate. (Samuel sobe em cima do garoto, e cego de raiva começa a bater nas costas dele com os cabos, Rodrigo começa a gritar de dor, chora e implora para que seu pai parasse) Para por favor... tá doendo pai!!! Socorro!!! Para, pai... (cada vez mais que Rodrigo gritava, Samuel batia mais nas costas do garoto. Em segundos, a camiseta dele está rasgada e ensanguentada. Samuel bate agora nas pernas e braços do garoto, Rodrigo sofre de dor e mesmo com os gritos, Samuel não desacelera nenhum segundo)

[CENA 02 – C. E. RICARDO ALVEZ/ SALA DOS PROFESSORES/ TARDE]
ROBERTO – Quer dizer então que você vai parar com as buscas?
JÚLIO – Vou. Conversei com minha anja, e ela sugeriu que deixássemos os dois sozinhos. E talvez ela tenha razão, né?! Adolescentes não gostam de ser contrariados mesmo, sempre fazer o contrário que a gente pede.
ROBERTO – E quanto a anja?
JÚLIO – Com ela eu não sei. Ela está casada com aquele cara lá. Então não tenho muito o que fazer.
ROBERTO – Sei não, algo me diz que aquele casamento não vai durar muito não.
JÚLIO – Na verdade, nem sei o que ela viu naquele cara.
ROBERTO – Concordo. Você dá de 1000 a zero nele.
JÚLIO – Mas fazer o que, né. (levanta-se, caminha até seu armário e guarda alguns papeis) Agora, tenho que contar para Vivian o que está acontecendo.
ROBERTO – Boa sorte com essa aí viu, que dessa vez eu não vou poder ajudar.
JÚLIO – Relaxa, que eu sei como resolver com ela. Afinal, formos casados algum tempo já.

[CENA 03 – CASA DE RODRIGO/ SALA/ TARDE]
(já cansado e com a raiva um pouco amenizada, Samuel sai de cima de Rodrigo, que está gemendo no chão, com quase o corpo inteiro cortado pelos fios)
SAMUEL – (levanta, ofegante) Espero que você tenha aprendido a não desrespeitar seu pai. (joga os fios de ledo, senta-se no sofá, e o escuta gemendo no chão) Anda garoto, deixa de frescura. Levanta dai e vá se limpar. Se sua mãe chega e ver isso vai querer brigar e não tô afim de bater nela também. (percebe que Rodrigo continua no chão e que havia parado de gemer. Levanta do sofá e fica em pé ao lado dele) Quer parar de ser fresco... (o chuta de leve, e fica assustado ao ver o real estado que deixou o garoto, ensanguentado, cortado e desmaiado) O que eu fiz? (se afasta de Rodrigo, olha para os cabos manchados de sangue no chão) Merda... (pega seu celular e liga para ambulância) Alô, por favor uma ambulância urgente! (olha para o corpo do filho desmaiado)

Anoitecendo...

[CENA 04 – APARTAMENTO DE JÚLIO/ SALA/ NOITE]
(Júlio está sentado no sofá, aguardando Vivian chegar. Campainha toca, levanta e vai atender)
JÚLIO – Que bom que você veio!
VIVIAN – (entrando no apartamento) Esperava já que você fosse me chamar. Imagino que você não conseguiu resolver aquela situação com o garoto que engravidou sua filha, e precisa da minha ajuda.
JÚLIO – É melhor você se sentar.
VIVIAN – (senta-se no sofá) Vamos lá, então. Estou ouvindo. Qual será a sua desculpa agora. (Júlio senta-se ao lado dela, um pouco nervoso)
JÚLIO – Bem... eu conheci o garoto que namora com a nossa filha. Ele realmente não é um aluno meu, por isso nunca percebi nada.
VIVIAN – Acho que mesmo que fosse seu aluno, você não perceberia.
JÚLIO – Ao conhecer ele e ver quem realmente era, fui contra que os dois ficassem juntos.
VIVIAN – Contra por quê?
JÚLIO – Por uma outra história minha, que não convêm agora contar.
VIVIAN – Ah mas eu quero saber. Quero saber o que você tem contra esse garoto. Por acaso ele não é nenhum marginalzinho não, né? Meu Deus, era só o que me faltava, a Lívia ter engravidado de um delinquente.
JÚLIO – Calma, não é nada disso. Rodrigo é um garoto do bem, de boa índole. Digo até que é o melhor namorado que a nossa filha poderia escolher.
VIVIAN – E como você sabe disso tudo dele?
JÚLIO – É que eu conheço a mãe dele.
VIVIAN – Acho que entendi tudo. Conhecendo bem o seu passado de pegador, duvido nada que você e a mãe desse garoto tenham tido algo no passado.
JÚLIO – Não tivemos nada duradouro. Foi mais uma aventura, só uma noite de carnaval apenas. O fato é que nessa noite, acabei não me prevenindo. Ela saiu do meu apartamento no dia seguinte, nunca mais a gente se viu e eis que hoje, o filho dessa mulher aparece namorando minha filha. Eu automaticamente pensei que ele fosse meu filho também.
VIVIAN – (ficando preocupada) E não é, né?
JÚLIO – Não. Ela acabou conhecendo um outro cara, os dois estão casados até hoje e tiveram o Rodrigo.
VIVIAN – Menos mal. Pelo menos assim, sabemos que eles não cometeram dois erros ao mesmo tempo.
JÚLIO – A questão é que naquele dia eu não aprovei o relacionamento deles, e isso acabou fazendo com que eles fugissem de casa.
VIVIAN – Eles o que? (levanta do sofá surpresa)
JÚLIO – A Lívia fugiu com o Rodrigo.
VIVIAN – Não acredito que você permitiu isso, Júlio. Que tipo de pai você é?
JÚLIO – Eu não imaginaria que os dois fossem fugir?!
VIVIAN – Quando isso aconteceu?
JÚLIO – Tem uns dois dias.
VIVIAN – Tem dois dias que a Lívia saiu de casa e só agora que eu estou sabendo?
JÚLIO – (levanta do sofá) A Lívia está bem, não se preocupa. Ela me enviou esta mensagem ontem. (pega seu celular e mostra a mensagem de Lívia para Vivian) Como você ver eu perguntei onde ela está, mas ela não respondeu.
VIVIAN – Ligou para ela?
JÚLIO – Liguei, mas só cai na caixa postal.
VIVIAN – Foi até a polícia?
JÚLIO – Não, creio que não é necessário envolver a polícia nisso.
VIVIAN – Não é necessário? Júlio, duas crianças fugiram de casa, e uma está grávida. Você acha que não é necessário? (Júlio fica em silêncio, sem saber o que fazer) Francamente, não sei por que ainda deixo você resolver as coisas. (caminha em direção à porta)
JÚLIO – Onde você vai?
VIVIAN – Vou até a polícia. Vou encontrar a minha filha sozinha. (sai do apartamento, Júlio senta-se no sofá, confuso)

JÚLIO NARRANDO:
Eu sabia que não seria uma tarefa fácil conversar com a Vivian. Mas ao menos deixei ela a par da situação. Se ela ia na polícia ou não, eu não tinha ideia. Só que nesse momento eu não sabia o que fazer. Por um lado, Vivian está certa. Os dois são só crianças, não podem morar sozinhos e viverem que nem adultos. Eu como professor deles e pai de Lívia, deverei ter feito a coisa certa e deveria ter ido até a delegacia, feito uma ocorrência do sumiço dos dois.
Mas naquele momento já era tarde. O pior já tinha acontecido, era questão de tempo para o caos só aumentar. E eu já não podia fazer mais nada, além de esperar o caos bater na minha porta.

[CENA 05 – CASA DE RODRIGO/ SALA/ NOITE]
(Bruna chega em casa e repara que tem algo estranho na sala. Coloca sua bolsa em cima do sofá, repara em algumas manchas vermelhas ao lado. Caminha um pouco mais, e repara seu chão manchado de sangue)
BRUNA – O que aconteceu aqui, meu Deus? (se aproxima da mancha de sangue, começa a gritar por Samuel) Samuel? Samuel?? (vai até a cozinha, não encontrando-o, vai até o quarto. Samuel também não estava lá, ela retorna para a sala, volta a olhar para as manchas de sangue) O que será que aconteceu aqui? (pega seu celular, liga para Samuel, mas só cai na caixa postal. Assim que desliga, recebe uma ligação) Alô?
MÉDICO AO TELEFONE – Senhora Bruna de Oliveira?
BRUNA – É ela. Que está falando?
MÉDICO AO TELEFONE – Sou médico do hospital São Cristóvão. Liguei para falar sobre o seu filho.
BRUNA – O Rodrigo? O que aconteceu com o meu filho?
MÉDICO AO TELEFONE – É melhor a senhora vim para cá. O que eu tenho pra dizer não pode ser dito pelo telefone. (Bruna logo se desespera, desliga e sai de casa apressada)

[CENA 06 – CASA DE JÚLIO/ SALA/ NOITE]
(Júlio continua sentado no sofá olhando para o teto, pensativo. Alguns segundos nesta posição, a campainha toca. Imaginando que seja Roberto, levanta calmamente em direção a porta)
JÚLIO – Já vai, Roberto. Não está um pouco tarde pra você... (abre a porta e se surpreende com sua filha na porta) Filha?
LÍVIA – Oi, pai. Será que eu posso entrar?

[CENA 07 – HOSPITAL/ RECEPÇÃO – SALA DE CONSULTA/ NOITE]
(Bruna chega no hospital já nervoso, procurando por seu filho. O médico já estava na recepção, esperando-a)
MÉDICO – Bruna?
BRUNA – Sim sou eu. Onde está meu filho? O que aconteceu com ele?
MÉDICO – É melhor conversamos na minha sala. Por favor, me acompanhe. (esse mistério todo só deixa Bruna mais nervosa, que vai atrás dele)
[SALA DE CONSULTA]
(o médico entra, senta-se em sua cadeira, Bruna continua em pé)
MÉDICO – Por favor, queira se sentar.
BRUNA – Eu estou bem assim, só quero saber onde está meu filho.
MÉDICO – É melhor a senhora se sentar, por favor. (Bruna acaba se sentando) Bem, nem sei como vou começar isso.
BRUNA – O que está acontecendo, doutor?
MÉDICO – Seu filho deu entrada hoje à tarde no hospital, todo cortado tanto externamente, como internamente.
BRUNA – Cortado?
MÉDICO – Pelas marcas no corpo dele, parece que ele apanhou com algum tipo de cabo.
BRUNA – (automaticamente lembra de Samuel, nervosa) Apanhou de cabo?
MÉDICO – Quem fez isso tava com muita raiva do garoto. Ele chegou aqui com o corpo quase dilacerado, marcas nos braços, pernas, costa... Sem contar, que isso não só o cortou externamente como também internamente. Ele chegou aqui com vários sangramentos internos. Perdeu muito sangue, tentamos de tudo para salvá-lo, mas infelizmente... (Bruna se desespera)
BRUNA – (chorando) Não, por favor não...
MÉDICO – Seu filho não resistiu. O Rodrigo está morto!
BRUNA – Meu filho não. Meu Rodrigo não, ele não. (com pena ao ver uma mãe sofrendo, o médico se levanta, caminha até ela e a consola)

[CENA 08 – CASA DA SEGUNDA FAMÍLIA DE SAMUEL/ SALA – COZINHA/ NOITE]
(Samuel está sentado no sofá, pensativo. Lembra da surra que deu em Rodrigo e o jeito que deixou o garoto. Sua lembrança é encerrada com sua filha chamando-o)
MENINA – Pai, mamãe tá chamando para a gente jantar. (Samuel sorri para a garotinha, a puxa para perto dele, colocando-a em seu colo)
SAMUEL – Papai está indo. (beija a bochecha da menina, coloca ela no chão e os dois vão para cozinha)
MULHER – É tão bom quando você pode jantar com a gente, amor.
SAMUEL – (sentando-se, finge um sorriso) Infelizmente, só poderei essa noite.
MULHER – Ah não, não venha me dizer que você vai embora amanhã. Deixa a sua família aproveitar sua presença um pouquinho.
SAMUEL – Está bem. Deixa eu colocar pra você. (pega o prato de sua filha, após enchê-lo um pouco, coloca em frente dela novamente)
MENINA – Obrigada.
SAMUEL – É pra comer tudo, inclusive a salada.
MULHER – (senta-se, começa a se servir) Que ótimo marido que eu arrumei. Sem contar que é um ótimo pai, né verdade filha?
MENINA – É sim. É o melhor pai do mundo!! (Samuel finge sorri, mas em sua mente, não sai a imagem de Rodrigo ensanguentado no chão)

Continua no Capítulo Oito...

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