JÚLIO NARRANDO:
E aconteceu...
Bruna estava certa! Se parássemos de ir atrás deles, eles
acabariam voltando por conta própria. Eis que minha filha aparece na minha
porta e dessa vez eu estava disposto a fazer a coisa certa. Iria apoiá-los,
iria ajudá-los com está criança.
Infelizmente, aquele retorno que parecia ser de alegria,
acabou sendo um início de uma grande tragédia...
[CENA 01 – APARTAMENTO DE JÚLIO/ SALA/ NOITE]
(Júlio puxa Lívia para perto dele, abraçando-a)
JÚLIO – Filha!! Você voltou! (Lícia começa a chorar)
O que aconteceu? Cadê o Rodrigo?
LÍVIA – Eu não sei, pai! (volta a abraça-lo, caindo
em lágrimas, Júlio fica confuso querendo saber o que aconteceu)
JÚLIO – Vamos entrar. Aqui dentro você me conta tudo.
(os dois entram, Júlio tira a mochila que Lívia trazia nas mãos, mas percebe
ela com outra nas costas) Essa outra mochila é sua também?
LÍVIA – (retirando-a) Essa é a minha. A que o senhor
pegou é a do Rodrigo.
JÚLIO – E cadê ele? Ele não veio com você? (Lívia
senta-se no sofá, mais calma)
LÍVIA – Eu não sei onde o Rodrigo está, pai.
JÚLIO – (senta-se ao lado dela) Como assim não sabe
onde ele está?
LÍVIA – Estávamos em uma pensão, quase 1 hora daqui.
Ele saiu cedo para procurar trabalho em um shopping, algumas quadras dessa
pensão. Aí acabou encontrando o pai dele nesse shopping.
JÚLIO – Ele o pegou?
LÍVIA – Não, não pegou porque Rodrigo se escondeu.
Ele voltou para pensão e me contou o que encontrou o pai dele nesse shopping.
JÚLIO – Tá e depois?
LÍVIA – Hoje à tarde ele disse que iria continuar
procurando um emprego, e que iria mais uma vez nesse shopping, pois faltava um
andar para ele olhar. Eu avisei para ele que era perigoso, que o pai dele ainda
poderia está lá, só que ele não me ouviu. (começa a ficar nervosa, chora) Ele
disse que iria tomar cuidado, só que eu acho que o pai dele o encontrou. Ele
não voltou mais pra casa depois que saiu, eu tento ligar para o celular dele,
só que ele não atende.
JÚLIO – Calma, filha. (a abraça) Talvez ele tenha se
atrasada, sei lá.
LÍVIA – Não, pai. Eu fiquei horas esperando ele
chegar, liguei diversas vezes, e nenhuma notícia. Eu tenho certeza, alguma
coisa aconteceu. Ele não iria sumir assim.
JÚLIO – (também começa a ficar preocupado) Vamos fazer
assim. Eu vou ligar para a mãe dele, e se ele tiver voltado ela saberá. Está
bem?
LÍVIA – Ok. (Júlio levanta do sofá, pega seu celular
e liga para Bruna)
[CENA 02 – HOSPITAL/ SALA DE CONSULTA/ NOITE]
(Bruna continua na sala de consulta, o médico havia saído
para atender um paciente e a deixou ficar lá. Arrasada com a morte precoce do
filho, e furiosa por imaginar que o responsável seja seu marido, Bruna pensa em
um jeito de se vingar. Seu celular toca, ver que é Júlio, desliga na mesma
hora)
[CENA 03 – APARTAMENTO DE JÚLIO/ SALA/ NOITE]
JÚLIO – Estranho! Parece que ela desligou o celular.
Ou deve ter descarregado. (guarda o celular e se aproxima da filha) Não se
preocupa, filha. Eu vou até a casa dela, e vou perguntar pessoalmente.
LÍVIA – Eu quero ir com o senhor.
JÚLIO – Melhor não. Você me parece cansada, deve está
com fome. Tem comida pronta na cozinha. Porque não vai até seu quarto, toma um
banho e vem comer um pouco?!
LÍVIA – Encontra o Rodrigo, pai, por favor!!
JÚLIO – Eu vou encontrá-lo, está bem. E vou trazê-lo
para você. (segura a mão de sua filha, tranquilizando-a, sorri)
[CENA 04 – CASA DA SEGUNDA FAMÍLIA DE SAMUEL/ SALA/
NOITE]
(a outra mulher de Samuel foi colocar a filha para dormir,
Samuel disse que ficaria um pouco na sala vendo TV e que logo subiria. Sozinho,
apesar da TV ligada, em sua mente só vem imagens de momentos atrás, dele batendo
em Rodrigo, enquanto o mesmo gritava pedindo para parar)
[CENA 05 – LANCHONETE/ RUA/ NOITE]
(Júlio estaciona seu carro em frente a lanchonete de Samuel.
Como eles moram em uma casa ao fundo da lanchonete, desce do carro e começa a
bater no portão da lanchonete)
JÚLIO – Bruna? (bate palmas, bate no portão, mas sem
sinal de vida) Bruna! (caminha ao redor da lanchonete, procurando alguma janela
ou porta que pudesse entrar. Sem encontrar nada, pega seu celular, liga
novamente para Bruna, mas só cai na caixa postal) O que será que está
acontecendo? (volta para o carro, olha novamente para a lanchonete, o liga e
sai em seguida)
Amanhecendo...
[CENA 06 – APARTAMENTO DE JÚLIO/ SALA/ DIA]
(Júlio chama Roberto até seu apartamento, para tomar conta
de Lívia, enquanto ia atrás de Júlio)
ROBERTO – E como ela estar?
JÚLIO – Ela acha que o pai do garoto o encontrou, e
tem medo que ele tenha feito alguma coisa.
ROBERTO – Será que ele o pegou mesmo?
JÚLIO – Eu não sei. Por favor cara, poderia ficar
aqui com ela, tenho medo dela acordar e querer fugir de novo.
ROBERTO – Claro, irmão. Pode ir, vou ficar aqui
tomando conta da Lívia.
JÚLIO – Valeu. Eu vou até a lanchonete novamente, ver
se aparece alguém agora.
ROBERTO – Ok. Qualquer coisa, é só ligar.
JÚLIO – Valeu. (Júlio abraça Roberto e sai de casa)
[CENA 07 – LANCHONETE/ RUA/ DIA]
(Júlio estaciona seu carro em frente a lanchonete, no
momento que Bruna estava fechando-a)
JÚLIO – (saindo do carro, caminha até ela) Oi! Queria
falar com você. (ao ver Júlio, Bruna chora e o abraça, Júlio não entende o que está
acontecendo, mas sente que não é coisa boa.
[CENA 08 – CASA DA SEGUNDA FAMÍLIA DE SAMUEL/ QUARTO/
DIA]
(a outra mulher de Samuel acorda e encontra seu marido
arrumando uma pequena mochila)
MULHER – Vai viajar novamente, querido?
SAMUEL – Oi, amor. (caminha até ela, a beija) Vou
sim. Um amigo me ligou, dizendo que tem uma proposta de emprego em São Paulo.
Estou indo lá, ver como é esse emprego.
MULHER – Que bom. Você está muito apressado?
SAMUEL – Um pouco, querida.
MULHER – Vou preparar algo para você comer. Não é bom
viajar com o estômago vazio.
SAMUEL – Não precisa. Mesmo assim, combinei com meu
amigo de nos encontrarmos na rodoviária agora. Tenho que ir.
MULHER – Você tem certeza.
SAMUEL – Tenho sim. (se aproxima dela, senta-se ao
seu lado) Cuida da nossa menina, viu.
MULHER – Sempre cuido. (os dois se beijam, Samuel
levanta da cama, pega sua mochila e sai do quarto)
[CENA 09 – LANCHONETE/ DIA]
(Bruna reabriu a lanchonete, e entra com Júlio. Os dois
estão sentados em uma mesa, como ela estava muito nervosa, Júlio acabou pegando
uma água com açúcar e entrega para ela)
JÚLIO – Tá melhor?
BRUNA – Estou, obrigada.
JÚLIO – Pode me explicar o que está acontecendo
agora? Cadê o seu marido? O Rodrigo?
BRUNA – (sente vontade de chorar novamente ao ouvir o
nome do filho, mas consegue se segurar) O Rodrigo... ele morreu! (Júlio fica
chocado com o que ouve)
JÚLIO – Como assim morreu?
BRUNA – Eu acho que o Samuel o encontrou. O trouxe
para casa, bateu no garoto com cabos elétricos, não sei... (começa a chorar)
JÚLIO – (triste e furioso ao mesmo tempo) Ele não fez
isso? Que tipo de pai faz isso com um filho?
BRUNA – Samuel nunca gostou do garoto. Sempre o fazia
de escravo nessa lanchonete. Tudo que o garoto fazia o irritava.
JÚLIO – Esse cara é uma canalha. É um monstro. Cadê
ele? (levanta da mesa) Cadê ele, Bruna? Quero ver se ele é homem mesmo e tem
coragem de bater em alguém do tamanho dele.
BRUNA – Eu não sei onde ele está.
JÚLIO – Como você conseguiu ficar casada com esse
cara esses anos todo? (volta a sentar-se) Se você sabia que ele era agressivo
com o garoto, porque não o deixou. Por que não o denunciou para a polícia?
BRUNA – (limpa suas lágrimas) É culpa minha! Eu sei,
eu devia ter acabado com isso. Deveria ter o colocado para fora quando tive
oportunidade.
JÚLIO – Sinto muito, mas tenho que concordar. Você
poderia tê-lo salvado. (Bruna chora mais, como Júlio estava tão enfurecido,
começou a colocar tudo pra fora) Você conhecia o Samuel. Sabia que ele era
agressivo com a família, sabia que ele batia no garoto! Então você tem culpa
sim, do que aconteceu com o Rodrigo! (mesmo sentindo pena do estado de Bruna,
desesperada pela dor de perder o filho, não amenizou dele jogar tudo pra fora)
Pelo pouco tempo que convive com esse garoto, eu vi que ela tinha um bom
coração. Tinha um futuro brilhante pela frente... (começa a chorar também) ...
ele poderia ser meu filho, Bruna.
BRUNA – Eu sei...
JÚLIO – O futuro dele foi interrompido. Ele agora
será apenas mais um, nas estatísticas. Mais um que sofreu calado, nas mãos
daqueles que o deviam proteger. (Bruna levanta da cadeira, com o estômago
embrulhado)
BRUNA – Por favor, Júlio, já chega. Eu não mereço
ouvir isso.
JÚLIO – Está bem, eu vou parar. (levanta, caminha até
ela) Só quero que você lembre, que você era a mãe dele. Agora eu tenho que ir,
pois tenho que contar para minha filha, que o pai da criança que ela tá
esperando está morto, e infelizmente a criança nascerá sem pai.
BRUNA – (levanta-se) A Lívia voltou?
JÚLIO – Voltou. Mas eu acho que você tem assuntos
importante para resolver agora. (sai da lanchonete, Bruna o observa ir embora,
assim que Júlio vai embora, ela senta-se na cadeira, pensativa, ainda com
lágrimas no rosto)
Mais Tarde...
[CENA 10 – APARTAMENTO DE JÚLIO/ SALA/ TARDE]
(Júlio chega ao seu apartamento e encontra Roberto sozinho
na sala vendo TV)
ROBERTO – (desliga a TV e caminha até Júlio) Então,
como foi lá? Conseguiu encontrar o garoto? (Júlio caminha até o amigo, o abraça
e cai no choro)
[CENA 11 – VELÓRIO/ TARDE]
(Bruna está velando seu filho, alguns amigos vieram para se
despedir do garoto. Ela está sentada em uma cadeira ao lado do caixão, abraçada
com ele. Júlio entra com Roberto e Lívia, e caminha até ela. Ao ver Lívia,
Bruna levanta da cadeira, caminha até a garota e abraça)
BRUNA – Sinto muito!
LÍVIA – Quero vê-lo. (Bruna leva Lívia até o caixão,
ao ver Júlio ali deitado, desaba em choro, Bruna volta a abraçá-la. Júlio e
Roberto estão do outro lado do caixão)
ROBERTO – (diz baixinho próximo a Júlio) O garoto
tinha um futuro brilhante no futebol.
JÚLIO – Não tem mais, Roberto!
ROBERTO – (o percebe sério demais olhando para o
caixão) Eu sei o que você está pensando. A gente poderia ter feito alguma coisa
para ajudá-lo, mas não tínhamos como provar.
JÚLIO – A gente viu as marcas no ombro dele. Sabíamos
que o pai dele era agressivo. Podíamos fazer alguma coisa sim, só não fizemos.
E veja o que aconteceu.
ROBERTO – (fica em silêncio, e ambos olham para o
caixão. Assim que o abraço de Bruna e Lívia terminam, Roberto caminha até
Bruna) Meus pêsames. (a abraça)
BRUNA – Obrigada! (Roberto volta para perto de Júlio,
que continuava parado ao lado do caixão. Bruna o observa por alguns segundos,
depois volta para perto de Lívia e fica abraçada com ela)
JÚLIO NARRANDO:
Era difícil pra mim acreditar naquilo. Mas infelizmente era
a realidade, Rodrigo acabou sendo mais um dos inúmeros casos de crianças e
adolescentes que são agredidas diariamente. E o mais terrível era que isso veio
do próprio pai. Eu sei que no momento da raiva, acusei Bruna de também ter tido
culpa do que aconteceu com Rodrigo. Deveria no momento também ter me acusado,
afinal, Roberto me alertou sobre as marcas no corpo do garoto, eu via o jeito
que o pai o tratava, o jeito que ele tratava a família. Eu devia ter feito
alguma coisa, eu devia ter ao menos chamado a assistência social para averiguar
esta família. Era meu dever como educador, ajudar essas crianças. Mas acabei
falhando com Rodrigo...
No dia seguinte após enterrarmos o corpo do garoto, Lívia
quis voltar para casa pois não estava se sentindo muito bem. Roberto a levou
para o meu apartamento, acabei pedindo que ele ficasse com ela, enquanto eu
precisava resolver um assunto.
Anoitecendo...
[CENA 12 – CASA DE RODRIGO/ SALA/ NOITE]
(Bruna estava sentada no sofá, olhando uma foto do filho sorrindo
pelo celular. Campainha toca, ela limpa as lágrimas de seu rosto, guarda o
celular e vai atender)
JÚLIO – Oi! Será que eu posso conversar com você?
BRUNA – Entra. (Júlio entra, os dois vão para o sofá)
JÚLIO – Algum sinal de onde o Samuel possa está?
BRUNA – Não. Depois da nossa conversa de ontem, eu
realmente percebi que devia ter feito alguma coisa para o meu filho.
JÚLIO – Sobre isso...
BRUNA – Espera, deixa eu terminar, por favor. Eu
também não era uma mãe tão presente para o Rodrigo. Como todos os dias eu saia
cedo para ir para o trabalho, a gente se encontrava apenas à noite, no jantar.
Eu não passava o dia com meu filho. Eu via as marcas no corpo dele, eu discutia
com Samuel, pedindo para que ele não tocasse mais nele, se não eu o denunciaria.
Só que aí, as marcas continuavam e eu nunca o denunciava. Eu sei que agora é
tarde, mas... eu fui até a delegacia, contei tudo para eles. Contei sobre o
trabalho escravo que ele levava na lanchonete, nas agressões que sofria...
Agora, está nas mãos da polícia encontrá-lo. Ao menos com isso, espero que meu
filho consiga me perdoar. (começa a chorar, Júlio segura a mão dela)
JÚLIO – Eu queria te pedir desculpas pelo o que te
disse ontem.
BRUNA – Eu merecia ouvir aquelas verdades.
JÚLIO – Eu também deveria ter dito umas verdades para
mim. Porque você não foi a única que ficou calada. Eu também sabia do que
estava acontecendo, e não fiz nada. Quem merece perdão do Rodrigo aqui, sou eu!
E além do mais, tenho certeza que você deve ter sido uma ótima mãe para ele.
Pois certamente a bondade que aquele garoto tinha, não foi herdada do pai.
(Bruna dar um leve sorriso) Então você não devia se lastimar pelo o que eu
disse. Rodrigo te amava muito, tenho certeza disso.
BRUNA – Obrigada!
JÚLIO – E eu creio que ele ficaria muito feliz se
você cuidasse do filho dele.
BRUNA – Isso pode ter certeza que vou. (sorri, mas
volta a ficar apreensiva)
JÚLIO – Algum problema?
BRUNA – Enquanto a polícia está atrás do Samuel, eu
estou aqui fazendo nada.
JÚLIO – E o que você poderia fazer? Você não sabe
onde ele está? Sabe?
BRUNA – Não. Não tenho ideia para onde aquele covarde
tenha ido. (Júlio se lembra do que Lívia contou para ele)
JÚLIO – Você sabe se ele tinha alguma amante? (Bruna
olha surpresa para ele, porém, imaginando como era o marido, não dúvida)
BRUNA – Que tenha descoberto não. Mas o Samuel
costuma fazer umas pequenas viagens de dois ou três dias quase todo o mês. Ele
me dizia que iria comprar coisas para a lanchonete, em um fornecedor mais
barato fora da cidade.
JÚLIO – Mas ele voltava com coisas?
BRUNA – Voltava. Mas com poucas coisas. Por que
pergunta, Júlio?
JÚLIO – A Lívia me contou que voltou pra casa, porque
o Rodrigo não voltou para a pensão onde eles estavam, após procurar emprego em
um shopping onde ele viu Samuel.
BRUNA – Que shopping é esse?
JÚLIO – Não sei. Lívia não me disse qual é o shopping,
mas posso descobrir com ela.
BRUNA – O que será que o Samuel estaria fazendo lá?
JÚLIO – Talvez fosse encontrar alguém. Por isso,
perguntei da amante. Quiser, eu posso investigar isso pra você?
BRUNA – Obrigada, Júlio. Mas acho que não será
necessário. Só espero que polícia consiga encontrá-lo primeiro do que eu, caso
contrário...
JÚLIO – Caso contrário o que, Bruna?
BRUNA – (olha séria para Júlio) Eu mesma darei fim
nele!
Continua no Capítulo
Nove...
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