Com
Amor
Novela de Marcus Vinick e Miguel Rodrigues
Escrita com
Miguel Rodrigues
Direção
Miguel Rodrigues
Direção Geral
Miguel Rodrigues
Henzo Viturino
Núcleo
DNA - Dramaturgia Novos Autores
Personagens deste capítulo
RICARDO
LÍVIA
CRISTINA
FERNANDO
GREGÓRIO
AUGUSTO
TAYLA
MARINA
ARTHUR
DAVI
PATRÍCIA
WESLEY
ALMIR
Participação especial
DELEGADO
FIGURANTES
DELEGACIA
FIGURANTES VELÓRIO
NATHALIE
REYNALDO
EULÁLIA
JERRY
CENA 1. DELEGACIA.
SALA DE ESPERA. INTERIOR. NOITE.
Cont. da última cena do capítulo anterior. LÍVIA e RICARDO continuam se
olhando. LÍVIA o fulmina com os olhos. RICARDO quebra o gelo.
RICARDO - Eu peço perdão.
LÍVIA - Então você
tirou a vida do meu filho?
RICARDO - Não foi a minha intenção.
Ele estava no meio do trânsito.
LÍVIA - Você sabe o que
eu estou sentindo agora?
RICARDO - Eu não faço ideia,
mas deve ser uma dor muito forte.
LÍVIA - (grita) Você
destruiu a minha vida!
TAYLA - (interfere) Você
não pode se alterar. Vamos!
RICARDO - Eu tentei frear, mas
já era tarde.
LÍVIA - Desgraçado!
LÍVIA tenta partir para cima de RICARDO. CRISTINA impede a empurrando.
CRISTINA - (grita) Você não
vai agredir o meu filho. Você não tem esse direito, sua louca!
LÍVIA - Eu perdi o meu filho.
CRISTINA - E acha que o meu
filho tem culpa? Não, ele não tem culpa. Tente o agredir novamente, que eu lhe
parto a minha mão na sua cara.
FERNANDO - (grita) Acalme-se,
Cristina!
CRISTINA respira ofegante. Encara LÍVIA. O delegado aparece irritado.
DELEGADO - O que está acontecendo
aqui? Aqui, na minha delegacia, não é lugar de baderna! Se eu ouvir mais um
grito, eu coloco as duas atrás das grades.
RICARDO - Por favor, me
perdoe? Eu imploro o seu perdão.
LÍVIA - (o olha com
raiva) Eu jamais vou te perdoar, seu assassino!
CRISTINA - O meu filho não é
um assassino.
RICARDO - (insiste) Eu te
imploro.
GREGÓRIO - (revoltado) Você não
tem que pedir perdão, Ricardo. O filho dela é quem estava no meio do trânsito
e, além de tudo, estava bêbado.
AUGUSTO aparece acompanhado por ARTHUR.
AUGUSTO - Vamos, Lívia!
AUGUSTO encara RICARDO. LÍVIA também fica encarando o mesmo e depois se
retira acompanhada pelo marido.
CORTA PARA:
CENA 2.DELEGACIA.
RECEPÇÃO. INTERIOR. NOITE.
MARINA toma um copo d’água com um pouco de nervosismo. TAYLA aparece e fica
a observando.
TAYLA - Você não quer ir
pra casa?
MARINA - Não, eu vou ficar
aqui com você.
TAYLA - Você já está
muito cansada... Cansada e nervosa também.
MARINA - É tudo isso que está
acontecendo... Acaba mexendo comigo também.
TAYLA - Eu te entendo. Eu
também estou muito mexida. A Lívia é mãe e deve estar sofrendo muito; todos os
sentimentos se manifestam nesse momento, principalmente a revolta.
MARINA - Aquele rapaz também
está sofrendo. Eu pude ver no modo como ele pediu perdão à Lívia.
TAYLA - Está sendo muito
difícil para todo mundo.
MARINA - O desespero da
Lívia é o que mais mexe comigo. A maioria das mães sofrem pelos seus filhos,
são capazes de tudo por eles... Já outras, que nem podem ser chamadas de mãe,
não sofrem nem um pouco, não se importam. É algo terrível.
TAYLA - Você está mais
comovida por causa de sua mãe, não é?
MARINA - Acertou. Eu fico
imaginando se ela agiria dessa forma, caso soubesse que algo trágico aconteceu
comigo.
TAYLA - Você nunca
procurou entender o porquê de sua mãe ter te abandonado?
MARINA - Falta de amor,
falta de sentimentos verdadeiros.
TAYLA - E se tiver algo
além disso?
MARINA - Não há nada além
disso. Ela me abandonou porque nunca gostou de mim, ela nunca gostou do meu
pai. Até hoje me lembro de algo que ela fez, algo que me deixou marcada para
sempre.
TAYLA - O que ela fez?
MARINA - Eu era uma criança
de quatro anos. Eu gostava de agradá-la, de procurar ter algum carinho dela.
Uma vez, eu fiz um desenho pra ela.
TAYLA - E qual foi a
reação dela?
MARINA - Pelo o que me
lembro vagamente, ela pareceu ter viajado para outro planeta. É como se os
pensamentos dela tivessem longe, mas ela continuava presente. E, então, ela me
olhou fixamente e depois rasgou o desenho... Rasgou em várias partes.
TAYLA - (comovida) Meu
Deus!
MARINA - Ela me odiava. Ela
odiava o meu pai, odiava a vida que levava.
TAYLA - Então por que ela
se casou com o seu pai?
MARINA - Ela queria dar um
golpe nele, tanto que ela fugiu levando todo o dinheiro que meu pai guardava no
cofre. Era uma quantia bem significativa naquela época.
TAYLA - Você nunca me
falou que ela tinha roubado o seu pai.
MARINA - Por vergonha. Quem
vai gostar de ter uma mãe ladra? Só um maluco.
TAYLA - Que história!
MARINA - Aliás, eu não a
considero com minha mãe. Eu só tive o meu pai e tenho ele até hoje.
TAYLA - E se, algum dia,
ela reaparecer?
MARINA - Eu me vingaria.
TAYLA - Se vingaria... Como
assim?
MARINA - Eu iria fazê-la
sentir todos os anos de dor e angústia por qual eu passei.
TAYLA - Você não pode
ficar alimentando esses ressentimentos.
MARINA - Ela me abandonou.
Eu cresci sem uma mãe. E, claro, eu não sou a primeira e nem serei a última a
ter sido abandonada pela própria mãe, mas não sou como a maioria que consegue
superar tudo sem demonstrar ódio, revolta, raiva. Se em algum maldito dia ela
reaparecer, eu vou descontar toda a minha raiva nela. Eu quero que ela sofra.
TAYLA - Jamais imaginei
que você fosse assim.
MARINA - Eu continuo sendo a
mesma.
TAYLA - Só que você
guarda uma revolta imensa dentro de si.
MARINA - Nem todo mundo é o
que representa ser, Tayla. Eu não sou uma boa pessoa como pareço(dá um leve sorriso irônico. Continua) Mas
pode ficar tranquila, você pode continuar confiando em mim. Você sabe que
sempre pode contar comigo.
TAYLA - Não, eu não pensei isso.
MARINA - Você me parece meio surpresa.
TAYLA - E estou surpresa mesmo. Eu nunca imaginei ouvir essas palavras de
sua boca. Você não é uma pessoa ruim.
MARINA - Nem sou uma pessoa boa também.
TAYLA - Ninguém é totalmente bom ou ruim, mas é claro que existem as
exceções.
MARINA - Muitas exceções, eu diria.
As duas ficam quietas por alguns segundos.
TAYLA - Você não pode guardar esses ressentimentos, não é algo bom.
MARINA - (pensativa) A culpa é de Sophia.
MARINA fica pensativa e TAYLA a observa.
CORTA PARA:
CENA 3. DELEGACIA.
SALA DO DELEGADO. INTERIOR. NOITE;
LÍVIA está sentada de frente à mesa do delegado. O delegado se senta na
poltrona e fita LÍVIA.
DELEGADO - Sinto muito pelo o que
aconteceu...
LÍVIA - Ninguém sente
mais do que eu.
DELEGADO - Já teve outros casos
parecidos.
LÍVIA - (o fita
seriamente) E os assassinos ficarem impunes?
DELEGADO - Depende do caso. E no
caso da morte de seu filho, aquele rapaz não teve culpa nenhuma. As câmeras
comprovam que o seu filho estava embriagado, andando no meio da avenida.
LÍVIA - Não me
importa! Eu quero que aquele desgraçado pague pela morte do meu filho.
DELEGADO - Não seja incoerente,
minha senhora.
LÍVIA - O senhor não
tem filhos?
DELEGADO - Tenho.
LÍVIA - E se algo do
tipo acontecesse com um de seus filhos? O senhor iria querer que o culpado
ficasse impune?
DELEGADO - Acontece que aquele
rapaz não teve culpa de nada. Eu entendo o seu sofrimento. Só que aqui, nessa
delegacia, eu sou o delegado e não posso me deixar levar pelos meus sentimentos
paternos. Eu tenho que agir conforme a lei, de forma séria.
LÍVIA - Eu quero a
prisão daquele sujeito.
AUGUSTO - (não contém) Por favor,
Lívia...
FERNANDO - (interfere) O meu
filho não teve culpa de nada.
LÍVIA - (olha
seriamente para Fernando) O que o senhor está fazendo aqui?
LÍVIA olha para FERNANDO e fica o encarando.
FERNANDO - Eu entendo o seu
sofrimento, mas não culpe o meu filho. Ele também está sofrendo. Ele jamais
imaginou que algo do tipo fosse ocorrer na vida dele.
LÍVIA - (chora) O seu
filho continua vivo.
FERNANDO - O seu filho também
continua vivo... Só que em seu coração, em suas lembranças a partir de agora.
Eu acredito que a morte não seja o fim de tudo. Ela é apenas um recomeço. É
assim que a senhora deve enxergar a morte de seu filho... Como apenas uma
passagem.
LÍVIA fica o olhando por alguns instantes e depois olha para o delegado.
DELEGADO - Vocês já podem ir
fazer o reconhecimento do corpo.
AUGUSTO - Pra quê?
DELEGADO - É algo de praxe.
LÍVIA se levanta e se retira acompanhada por AUGUSTO. Quando eles passam
pela porta, Fernando fica a olhando.
CORTA PARA:
CENA 4. STOCK-SHOTS.
TAKES DO RIO DE JANEIRO.
Amanhece.
CENA 5. DELEGACIA.
RUA. EXTERIOR. DIA.
RICARDO é liberado. Ele sai da delegacia acompanhado pela família. Acaba
sendo abordado por alguns repórteres.
GREGÓRIO - (revoltado) Ele não
vai responder nenhuma pergunta.
RICARDO entra no automóvel, que parte em seguida.
CORTA PARA:
CENA 6. IML.
INTERIOR. DIA
LÍVIA e AUGUSTO entram em uma sala. Um rapaz descobre a cabeça do morto e
LÍVIA entra em desespero, sendo segurada por AUGUSTO.
LÍVIA - Meu filho... Meu
filho! Por que, meu Deus? William, meu filho...
LÍVIA chora desesperada. AUGUSTO a consola. Acaba derramando algumas
lágrimas também.
CORTA PARA:
CENA 7. AP DOS
FONTINELLY VILLARY. INTERIOR. DIA.
ARTHUR abre a porta e TAYLA entra rapidamente.
TAYLA - Vou tomar um
banho. Eu estou exausta.
ARTHUR - E eu estou mais
ainda.
TAYLA - Eu estou tão
abalada por causa da Lívia. O sofrimento de uma mãe é algo muito forte.
ARTHUR - Aquela maluca.
TAYLA - Maluca... Por
quê?
ARTHUR - Ela não respeita o
meu irmão nem nesse momento tão difícil. Ela estava vendo o sofrimento dele,
mas continuava o atacando e falando coisas terríveis.
TAYLA - O sofrimento dela
a fez falar aquelas coisas, mas eu também não tiro a razão dela. O seu irmão nunca
apoiou o filho, sempre o colocou pra baixo e, além de tudo, o humilhava. Aquele
garoto sofreu nas mãos dele.
ARTHUR - Não exagere, Tayla!
TAYLA - Mas eu estou
falando a verdade.
ARTHUR - Você queria que o
meu irmão apoiasse as beberagens do William, é isso?
TAYLA - Não é isso,
Arthur, você está me contradizendo.
ARTHUR - Você só diz isso
porque enxerga a Lívia como uma santa. Ela é quem estragou o garoto e agora
aconteceu o que aconteceu. Ela é a culpada.
TAYLA - Ela é mãe e está
sofrendo.
ARTHUR - O meu irmão também
está sofrendo e ela não sabe respeitar esse fato. Quando eu tentei defende-lo,
ela ainda me “meteu as patas”.
TAYLA - Bem feito! Você
não devia ter se intrometido.
ARTHUR - Você acha que foi
bem feito? Eu não esperava outra reação mesmo de você, até porque você nem
falou nada. Permaneceu quieta. A Lívia poderia ter me mandado calar a boca,
poderia ter me achincalhado, mas você não iria fazer exatamente nada.
TAYLA - Ela estava na
razão dela, ela estava sofrendo e ainda continua.
ARTHUR - O problema, Tayla,
é que você é igual a Lívia. Vocês duas se merecem.
TAYLA - Que bom que você
pensa dessa forma.
ARTHUR - (dá um sorriso
irônico) Você concorda.
TAYLA - Em respeito ao
William, em qualquer lugar onde ele esteja nesse momento, eu não vou brigar com
você.
ARTHUR - (ironicamente) Tenho
certeza de que ele não está no céu. (Tayla
se virou para ele e fica o fitando com nojo. Arthur continua) Incomodou
tanto que seria injusto que aquele traste fosse para o paraíso.
TAYLA - Como você pode
falar desse jeito de seu próprio sobrinho?
ARTHUR - (sorri
ironicamente) Sobrinho...
TAYLA - Tem vezes em que
você me dá nojo, Arthur, sinceramente!
ARTHUR fica a fitando e ela se retira revoltada.
CORTA PARA:
1° INTERVALO
COMERCIAL
CENA 8.
STOCK-SHOTS. TAKES DE BÚZIOS.
Sucessão de imagens de Búzios amanhecendo. Acompanhamos todo o movimento
da cidade até chegarmos à fachada do hotel.
CORTA PARA:
CENA 9. HOTEL
ATLÂNTICO BÚZIOS. QUARTO. INTERIOR. DIA.
DAVI acorda-se. Vê que PATRÍCIA está sentada na poltrona.
DAVI - Passou a noite
toda aí?
PATRÍCIA - Sim. Não consegui
pregar os olhos de jeito nenhum. Estou muito preocupada com o Ricardo.
DAVI - Já entrou na
internet?
PATRÍCIA - Adivinha:
velocidade reduzida, a droga fica lenta.
DAVI - Eu ainda te
avisei pra você não fazer o plano com essa operadora.
PATRÍCIA - Era a mais barata.
DAVI - Só que os teus
pais têm condições de pagar pela mais cara.
PATRÍCIA - O meu pai é “mão de
vaca” e eu acabei aprendendo a ser também.
DAVI - O meu irmão é
assim.
PATRÍCIA - Ele é um dos meus
então. Já ganhou a minha admiração.
DAVI dá um leve sorriso.
DAVI - Patrícia...
PATRÍCIA - Fala!
DAVI - Você gosta
mesmo do Ricardo?
PATRÍCIA vai responder mas é interrompida por WESLEY que abre a porta do
quarto e fica olhando para PATRÍCIA e DAVI. PATRÍCIA e DAVI ficam olhando para
WESLEY.
PATRÍCIA - Por que não entra
de uma vez?
WESLEY - Quero falar com
você mesmo, Patrícia.
PATRÍCIA - Entra!
WESLEY entra e fica olhando para PATRÍCIA.
WESLEY - Vamos fazer as
pazes?
PATRÍCIA - Eu já estava
esperando que você viesse me pedir desculpas.
WESLEY - Eu não estou te
pedindo desculpas.
PATRÍCIA - Tudo bem. Eu gosto
de você, Wesley, eu não queria ficar brigada com você por muito tempo mesmo.
WESLEY - Não é a primeira
vez.
PATRÍCIA - É, não é a primeira
vez.
PATRÍCIA levanta-se. Dá um leve sorriso e abraça o amigo.
DAVI - (interfere
sorrindo) Que bom que já está tudo bem entre vocês dois.
WESLEY - Nós precisamos
voltar pro Rio de Janeiro.
PATRÍCIA - Alguma notícia do
Ricardo?
WESLEY - Eu acabei de entrar
na internet e fiquei sabendo que ele se envolveu em um acidente.
DAVI - (apreensivo) Acidente?
PATRÍCIA - Que acidente,
Wesley?
WESLEY - Ele atropelou um
cara. O cara acabou morrendo. Eu vi num blog de últimas notícias.
PATRÍCIA - (já pegando os seus
pertences) Vamos pro Rio agora.
DAVI também arruma suas coisas rapidamente e em seguida os três saem do
quarto.
CORTA PARA:
CENA 10. CEMITÉRIO.
CAPELA. INTERIOR. FINAL DE TARDE.
O corpo de WILLIAM foi liberado. No final da tarde, em uma capela de um
fino cemitério, ocorre o seu velório. TAYLA aparece e abraça LÍVIA, que chora
copiosamente. ARTHUR dirige-se a AUGUSTO, que já não chora mais. Ao contrário: AUGUSTO
permanece quieto, com milhões de lembranças e pensamentos se passando pela sua
mente.
CORTA PARA:
CENA 11. CASA DOS
BOAVENTURA. QUARTO DE RICARDO. INTERIOR. TARDE.
RICARDO levanta-se da cama. CRISTINA entra no quarto.
CRISTINA - Vá descansar,
filho!
RICARDO - Eu não quero ficar
deitado.
CRISTINA - Eu vou te dar mais
um remédio.
RICARDO - A senhora quer me
dopar, é isso?
CRISTINA - Por que está
falando dessa maneira comigo?
RICARDO - A senhora quer me
fazer dormir, mas não tem outra forma a não ser me entupindo de calmantes.
CRISTINA - Você está muito
perturbado. Agora se você dormir, irá se acordar melhor no dia seguinte.
RICARDO - (ironicamente) E aí
tudo terá passado? (t) A senhora está enganada. Eu não vou conseguir descansar
a minha mente, eu não vou conseguir dormir em paz com a lembrança daquele
acidente; aquele corpo contra o meu carro. (RICARDO
começa a respirar ofegante, anda de um lado para o outro e não contém as
lágrimas. Continua) Quando aquele corpo voou por cima do carro... Eu juro
que tentei frear, mas não deu tempo.
CRISTINA - Meu filho, você não
pode se sentir culpado.
RICARDO - Eu matei aquele
rapaz, ele era mais novo do que eu.
CRISTINA - Você não o matou.
RICARDO - (grita) Eu matei
ele, sim!
RICARDO encosta-se na parede e deixa-se cair aos prantos. GREGÓRIO
aparece.
GREGÓRIO - (interfere) Deixe ele
aí, Cristina.
CRISTINA - (preocupada) Não
posso deixar o nosso filho assim.
GREGÓRIO - (a pega pela mão) Vamos,
meu amor, vamos!
CRISTINA - O Fernando já foi
embora?
GREGÓRIO - Já. Vamos tentar
descansar um pouco.
RICARDO levanta-se rapidamente. Abre o roupeiro.
CRISTINA - O que você vai
fazer, meu filho?
RICARDO - Eu vou ao velório
daquele rapaz.
CRISTINA - Não, você não pode
fazer isso.
RICARDO - Eu tenho que fazer
isso.
GREGÓRIO - Eu também não irei
permitir isso, Ricardo.
CRISTINA - Aquela mulher pode
querer te agredir.
RICARDO - Ela precisa de mim.
GREGÓRIO - Ricardo, você está
louco?
RICARDO - Pai, eu preciso ir
até lá.
GREGÓRIO - Só que você não tem
ideia que esse é um momento da família do rapaz. Se você quiser ir até o
cemitério, em qualquer outro dia, eu até posso permitir e até mesmo acompanhá-lo.
Mas hoje, não!
RICARDO - O senhor não pode
me impedir, eu já sou maior de idade.
GREGÓRIO - Não me obrigue a
tomar atitudes drásticas. Você sempre me respeitou, nunca agiu dessa forma e
não é agora que irá começar a agir. Você tem que se controlar e ver que já não
é mais um adolescente, você já é um homem e tem que ter as atitudes do mesmo.
Agora vá deitar! Se não quiser deitar, pelo menos se controle!
CRISTINA - O seu pai tem
razão, meu filho.
RICARDO senta-se na cama e começa a chorar novamente.
GREGÓRIO - (nervoso) Vamos,
Cristina!
CRISTINA e GREGÓRIO retiram-se. Fecham a porta.
CORTA PARA:
CENA 12.
CEMITÉRIO. VELÓRIO DE WILLIAM. EXTERIOR. TARDE.
ALMIR ALBUQUERQUE comparece. Aproxima-se de AUGUSTO.
ALMIR - Meus pêsames.
AUGUSTO - Obrigado! Obrigado por
ter vindo.
ALMIR - Eu jamais deixaria
de vir e dar minhas condolências. Que Deus esteja a iluminar o espírito de seu
filho.
AUGUSTO - Você é católico?
ALMIR - Não tenho uma
religião. Eu acredito nas minhas próprias crenças.
AUGUSTO - Eu também queria
acreditar nas minhas próprias crenças. Eu queria acreditar em Deus. Com isso
que ocorreu agora, não há nada que faça mesmo mudar de pensamento.
ALMIR - Nada é por acaso.
Deus sempre nos mostra uma razão, um caminho... Por mais que, muitas vezes,
esses caminhos pareçam ser tortuosos. Mas há sempre um motivo para que certas
coisas nos ocorram e, no final, acabamos entendendo de certa forma.
AUGUSTO prefere ficar quieto ao ouvir aquelas palavras. FERNANDO aparece.
LÍVIA o olha seriamente.
LÍVIA - O que esse homem
está fazendo aqui?
TAYLA - Certamente, ele
veio prestar apoio.
LÍVIA - Eu não quero
esse homem no velório do meu filho.
TAYLA - Lívia, ele não tem
nada a ver com essa história.
LÍVIA - Alguém tire esse
homem daqui.
MARINA - (concorda) É
inconveniente a presença dele.
FERNANDO se aproxima do caixão e acaba se comovendo.
LÍVIA - O que você quer
aqui?
FERNANDO - Vim dar minhas condolências.
LÍVIA - Eu não preciso
de suas condolências.
FERNANDO - Eu entendo que a senhora
está sofrendo, mas não me rejeite.
LÍVIA - O seu filho
tirou a vida do meu filho, o meu único filho.
FERNANDO - O meu filho não teve
culpa de nada. Foi um verdadeiro incidente.
LÍVIA - Incidente? Ele
tirou a vida do meu filho. E, além disso, ainda teve a capacidade de se fazer
de inocente quando me pediu perdão...
FERNANDO - Ele está sofrendo
também.
LÍVIA - Com aquelas
lágrimas falsas correndo pelo rosto dele.
AUGUSTO - (interfere) Lívia, é o
velório de nosso filho, não faça escândalo!
LÍVIA - Você só veio
para me atormentar, para desrespeitar a alma de meu filho. Vá embora!
FERNANDO - Eu jamais desrespeitaria
a alma de seu filho. Eu vou embora. Mesmo assim, fique sabendo que eu sinto
muito por tudo isso que ocorreu.
FERNANDO retira-se rapidamente. LÍVIA começa a chorar novamente. TAYLA a
ampara. Em “LÍVIA”.
CORTA PARA:
2º INTERVALO COMERCIAL
CENA 13. HOTEL
PENNSYLVANIA. QUARTO DE MIGUEL E ARIEL. Interior. Dia.
MIGUEL empacota alguns pertences em um caixa. ARIEL aparece. O
observa.
MIGUEL — Já
arrumou suas coisas, Ariel?
ARIEL —
Não estou nem um pouco animado.
MIGUEL — Nós
vamos voltar para o Brasil... A nossa terra natal.
ARIEL —
Quantas vezes eu vou ter que lhe dizer que a minha terra natal não existe?
MIGUEL — Não
existe essa história, Ariel.
ARIEL —
Existe, sim! Existe porque é assim que eu quero.
MIGUEL — Você
quer envelhecer viajando pelo mundo.
ARIEL — E
acredito que muitas pessoas gostam disso... Eu tenho essa oportunidade, mas
você está acabando com ela.
MIGUEL — Como
assim?
ARIEL —
Você entendeu muito bem, Miguel.
MIGUEL — Ariel,
eu nunca te privei de nada... Se você não quiser seguir comigo para o Brasil,
sinta-se à vontade.
ARIEL —
Nós estamos juntos há um bom tempo... Tem certeza que quer acabar com a nossa
amizade? Com o nosso companheirismo?
MIGUEL —
Acontece que eu não quero te ver infeliz... Você deve ter uma boa grana no
banco. Aproveite a sua vida.
ARIEL —
Você está me dispensando, Miguel?
MIGUEL — Eu
não estou te dispensando... Eu jamais faria isso... Só quero que você se sinta
livre pra seguir sua vida.
ARIEL —
Mas a minha vida sempre se resumiu em te acompanhar, em agendar seus
compromissos, marcar suas entrevistas com a imprensa. A minha vida sempre se
resumiu em suportar seus desabafos, ouvir suas reclamações...
MIGUEL — Mas
tudo acabou, Ariel... Nós sempre seguimos os mesmos caminhos, mas não
imaginávamos que não seria assim pra sempre. Acabou. Eu vou para o Brasil, vou
retomar minha vida e tentarei ser feliz novamente. A verdade é essa: eu nunca
fui feliz realmente.
ARIEL — A
fama e o glamour nunca te deram felicidade?
MIGUEL —
Nunca... Parecia que sempre havia algo incompleto, algo faltando. Eu fui feliz
como um artista, como o “artista revolucionário”, como fiquei conhecido por
toda a Europa... Mas o meu ser por dentro nunca foi feliz. Eu tive tudo que
jamais imaginei, mas o meu espírito sentia sede de algo mais; algo que a fama,
o glamour e a riqueza jamais poderiam me oferecer.
ARIEL —
Você está falando de Sophia, mesmo sem tocar no nome dela, mesmo sem falar algo
que dê a entender que esteja se referindo à ela.
MIGUEL — Eu
estou falando dela também... Principalmente dela. Eu admito que jamais esqueci
a Sophia. O meu amor por ela é eterno. Eu vou levá-la comigo para o caixão...
Eu já me casei duas vezes, já tive outros relacionamentos e nenhum deu certo.
Por que será?... A resposta se chama Sophia.
ARIEL —
(sorri ironicamente) Agora eu entendo o motivo pelo qual você quer voltar ao
Brasil.
MIGUEL — E
qual seria o motivo?
ARIEL —
Sophia... Você acredita que pode reencontrá-la no Brasil, não é?
MIGUEL —
Confesso que crio esperanças.
ARIEL — E
se ela tiver uma vida em família? E se ela nem mesmo se lembrar de você como
alguém que ela amou muito na juventude?
MIGUEL — A
Sophia sempre me amou... Por mais que os anos tenham passado, por mais que
estejamos longe um do outro.
ARIEL —
Você ainda tem o pensamento de um adolescente apaixonado.
MIGUEL — Nós
nos amamos desde crianças... A nossa amizade era linda, encantadora... Mais
tarde, descobrimos que era um sentimento mais forte, que nos amávamos acima de
tudo... Nós juramos amor eterno.
ARIEL —
Miguel, isso é bobagem! E também, você não deveria mais pensar nisso, você já
não é mais um adolescente... Você é um homem velho.
MIGUEL apenas fita ARIEL. Balança a cabeça negativamente.
Volta a ajeitar os seus pertences. Permanece quieto. ARIEL fica o olhando.
Retira-se em seguida.
CENA 14. RIO DE JANEIRO. GERAIS. Exterior. Dia.
Planos gerais da cidade do Rio de Janeiro em movimentos
frenéticos, acompanhado por uma música ambiente até chegarmos ao Recreio dos
Bandeirantes onde mostramos a frente da casa da família Boaventura.
CENA 15. CASA DOS BOAVENTURA. SALA. Interior. Dia.
Ouvimos batidas na porta. CRISTINA atravessa a sala em direção
à porta. A abre e DAVI surge. CRISTINA fica o olhando.
DAVI —
Me desculpe por eu ter vindo a essa hora da manhã...
CRISTINA — Entre!
DAVI entra. CRISTINA fecha a porta.
DAVI —
Eu vim ver o Ricardo.
CRISTINA — Pode
subir... Talvez com você, ele acabe conversando com mais calma.
DAVI dirige-se à escadaria e sobe. CRISTINA fica olhando para
DAVI. Cruza os braços e fica pensativa.
CENA 16. CASA DOS BOAVENTURA. QUARTO DE RICARDO. Interior. Dia.
RICARDO está deitado. Percebe que a porta se abre e fica
atento. DAVI surge. RICARDO tenta dar um leve sorriso ao vê-lo. Mas é em vão.
RICARDO derrama algumas lágrimas.
DAVI —
Eu vim te ver.
RICARDO — Pensei
que você tivesse com raiva de mim.
DAVI —
Por que eu teria raiva de você?
RICARDO — Porque
eu matei uma pessoa.
DAVI —
Ricardo, você não matou ninguém... O que aconteceu foi uma fatalidade, um
incidente.
RICARDO — Eu
jamais imaginei que fosse causar o sofrimento de alguém.
DAVI —
Eu jamais imaginei te ver desse jeito... Você tem que levantar a cabeça e
seguir em frente.
RICARDO — Com
uma morte nas minhas costas?
DAVI —
Você tem que colocar na cabeça que não teve culpa de nada.
RICARDO — Foi
terrível!
DAVI —
Para você, deve ter sido terrível mesmo... Mas você não poderá ficar desse
jeito pra sempre.
RICARDO — Eu não
vou conseguir viver em pasz... A cena do atropelamento passa a todo o momento
em minha mente... Aquele corpo atirado na pista passa em rápidos flashes. Eu já
não suporto mais.
DAVI —
Você terá que procurar um psicólogo ou até mesmo um psiquiatra.
RICARDO — Até
você já percebeu que eu estou ficando louco.
DAVI —
Você não está louco, você está perturbado... Você passou por um verdadeiro
trauma e, por isso, precisa de uma ajuda.
RICARDO — Você
fica aqui, comigo?
DAVI —
Eu vou ficar o tempo que você quiser... Eu sempre vou estar do seu lado, porque
eu gosto muito de você e não quero te ver sofrendo.(Ricardo e Davi se abraçam fortemente e trocam algumas carícias. Davi
sussurra) Eu te amo, Ricardo!
Ele continuam abraçados por mais alguns instantes, até que
ouvimos batidas na porta.
RICARDO — Deve
ser a minha mãe.
DAVI levanta-se. Abre a porta e PATRÍCIA surge.
PATRÍCIA —
(surpresa) Davi?!
DAVI —
Oi, Patrícia!
PATRÍCIA — Jamais
imaginei que você fosse vir ver o Ricardo antes de mim.
DAVI —
É... Eu tive que vir mais cedo.
PATRÍCIA — Você
pode nos dar licença?
DAVI —
Sim, claro.
DAVI dá um leve sorriso. Olha para RICARDO. Retira-se. Fecha a
porta.
PATRÍCIA — Como
você está, Ricardo?
RICARDO —
Péssimo!
PATRÍCIA — Eu até
imagino. Sinto muito por tudo que aconteceu. Eu fiquei preocupada lá em Búzios...
Eu não te tirava da minha cabeça.
RICARDO — Até
esse momento, eu já estava na delegacia. Quando a mão do rapaz morto apareceu,
foi algo que me deixou mais abalado. O sofrimento dela me fez tão mal. É como
se eu tivesse destruído uma boa parte da vida dela sem ter nenhuma intenção.
PATRÍCIA — Você
não destruiu a vida de ninguém. A sua mãe me falou que a mulher chegou a te
acusar e tentar até mesmo te agredir.
RICARDO — Ela
estava com toda a razão.
PATRÍCIA — Não...
Ela não estava com a razão. Essa mulher devia ser uma louca.
RICARDO — Ela
perdeu o filho dela.
PATRÍCIA — Até
entendo esse fato, mas ela tinha que ter a consciência de que você não teve
culpa de nada. O filho dela era um bebum. Ele era filho do empresário Augusto
Villary... E muita gente aqui, no Rio, sabe que ele bebia e aprontava
escândalos. Ele morreu bêbado. Ele pediu a morte.
RICARDO — Você
está sendo cruel.
PATRÍCIA — Eu
acabei de falar com o seu pai e ele concordo comigo.
RICARDO — Vocês
estão errados... O rapaz até podia beber, mas jamais pediria a própria morte...
Ele estava embriagado, não tinha noção do perigo que estava correndo no meio do
trânsito.
PATRÍCIA — Tanto
que acabou morrendo.
RICARDO — Por
favor, Patrícia, se retire!
PATRÍCIA — Eu
posso ficar aqui, te fazendo companhia... Eu não me importo de ficar o dia todo
com você.
RICARDO — Eu
quero ficar sozinho.
PATRÍCIA — Só que
eu não quero te deixar sozinho... Você precisa de alguém que te escute, que te
dê atenção... Que te dê carinho e consolo.
RICARDO — A
minha mãe pode fazer isso por mim... Agora faça o que eu pedi, por favor?
PATRÍCIA fica olhando para RICARDO.
PATRÍCIA —
(insiste) Deixe-me ficar aqui com você.
RICARDO —
(revoltado) Eu já disse que quero ficar sozinho... Saia, Patrícia!
PATRÍCIA fica com os olhos marejados. Retira-se rapidamente.
RICARDO fica pensativo. A cena do atropelamento volta à sua mente.
CENA 17. CEMITÉRIO. SEPULTAMENTO DE WILLIAM. Exterior. Dia.
Todos seguem ao local onde o corpo de WILLIAM será sepultado.
LÍVIA chora copiosamente. ANGELINA aparece. LÍVIA fica a olhando.
ANGELINA — Me
perdoe por não ter vindo antes.
LÍVIA e ANGELINA se abraçam aos prantos.
LÍVIA —
Eu entendo que você passou mal com a notícia e teve que ser encaminhada ao
hospital.
ANGELINA — Eu
jamais pude imaginar que toda essa tragédia fosse ocorrer... William e eu já
não estávamos mais juntos, mas eu gostava tanto dele.
LÍVIA —
Eu sei disso, Angelina.
ANGELINA — Eu
queria tanto que ele se recuperasse, seguisse uma vida nova.
LÍVIA —
Mas tudo foi interrompido... Eu não entendo o porquê de Deus ter permitido algo
assim... Eu realmente não entendo.
LÍVIA e ANGELINA se abraçam novamente. Ficam abraçadas por
alguns segundos.
CENA 18. RIO DE JANEIRO. GERAIS. Exterior. MAIS TARDE.
Sucessão de imagens do Rio de Janeiro em ritmo frenético,
dando impressão de mudança de tempo. Acompanhamos as imagens até chegarmos ao
estúdio fotográfico de TAYLA e MARINA.
CENA 19. ESTÚDIO FOTOGRÁFICO. ESCRITÓRIO. Interior. TARDE.
TAYLA e MARINA estão no estúdio. Tomam um café. REJANE
aparece. Larga a bolsa em uma poltrona.
REJANE —
Jurei que vocês não fossem abrir hoje.
MARINA — Temos
que terminar um trabalho urgente... Nós fechamos contrato com uma campanha
publicitária e temos que cumprir dentro do prazo.
REJANE — Ah,
é mesmo... E como foi lá, no enterro?
TAYLA — Uma
tristeza, assim como todas as cerimônias de sepultamento.
REJANE —
Quando soube da notícia, eu fiquei chocada, afinal ele era o teu “sobrinho
emprestado”.
TAYLA — Ele
era muito jovem... Quem poderia imaginar que teria uma morte prematura e de uma
forma tão trágica?
REJANE — É
verdade... A bebida não o matou por uma doença, mas acabou causando toda essa
tragédia.
TAYLA — Sem
julgamentos, Rejane!
REJANE — Eu
não estou julgando ninguém.
MARINA — Nós
temos um trabalho para cumprir, o prazo está acabando.
REJANE — Nós
só vamos poder cumprir esse trabalho amanhã.
MARINA — Como
assim?
TAYLA — Só
amanhã será feita a sessão de fotos.
MARINA —
Amanhã? Mas nós estamos atoladas de coisas pra fazer.
TAYLA — Só
amanhã, Marina.
MARINA — Ah,
eu não estou acreditando... E já conseguiram um modelo principal pra campanha?
REJANE — Sim,
já conseguimos.
MARINA — Que
bom!
TAYLA —
Amanhã, às dez horas, nos encontramos em Copacabana... Avise a equipe, Rejane.
REJANE — Está
bem. Até amanhã!
TAYLA — Até
amanhã!
REJANE pega a bolsa e vai embora. MARINA e TAYLA ficam caladas
por alguns segundos.
MARINA —
(levanta-se) Vamos embora?
TAYLA — Nem
precisávamos vir aqui.
MARINA — Eu
tinha que acertar alguns detalhes.
TAYLA —
Alguns detalhes que podiam ser resolvidos na sua própria casa.
MARINA — Por
que você está assim, Tayla? Está abalada ainda com a morte do William?
TAYLA — É
claro que eu estou abalada... É algo muito mais do que recente.
MARINA — Você
não está assim apenas por causa disso, eu já estou notando.
TAYLA — E
você acabou de acertar, mas não vamos falar sobre esse fato agora.
MARINA — É o
seu marido não é?
TAYLA — Eu
não vou ficar mais te esperando, Marina.
MARINA — Sabe
o que você faz, Tayla? Se separa daquele homem de uma vez, você está perdendo
tempo ao lado dele.
TAYLA —
Marina, eu não estou falando do Arthur e nem mesmo cheguei a tocar no nome
dele. Eu já vou embora.
TAYLA retira-se um pouco irritada. MARINA a segue.
3º INTERVALO COMERCIAL
CENA 20. CASA DOS BOAVENTURA. QUARTO DE RICARDO. Interior. TARDE.
WESLEY abre a porta do quarto de RICARDO. Fica o olhando.
RICARDO senta-se na cama.
RICARDO — Achei
que você não fosse vir me ver.
WESLEY —
Pensou errado.
RICARDO — Como você
está?
WESLEY — Eu é
quem devia te fazer essa pergunta.
RICARDO — Como
você próprio está vendo... Eu estou muito mal.
WESLEY — Te
entendo... Na verdade, eu não tenho o que te falar, a não ser dizer que você
pode contar comigo sempre... Você vai conseguir superar tudo.
RICARDO —
Obrigado! E eu espero conseguir superar tudo, mas parece que não será assim...
Eu sinto que não terei paz.
WESLEY — Você
não pode pensar dessa forma.
RICARDO — Me
livrar desse pensamento não será tão fácil.
RICARDO e WESLEY ficam quietos por alguns instantes.
WESLEY — A
Patrícia já esteve aqui?
RICARDO — Já...
Só veio me falar bobagens.
WESLEY —
Bobagens?
RICARDO — Sim.
Chegou até a ser cruel em um momento. Tive que mandá-la embora.
WESLEY — Bem
que você fez.
RICARDO — Ela só
tentou ajudar, mas... Acabou me deixando pior.
WESLEY —
Conheço aquele jeitinho da Patrícia de tentar ajudar os outros.
RICARDO — Ela
terá que mudar esse jeitinho.
WESLEY — Você
tem razão. (os dois permanecem quietos
novamente por mais alguns instantes) Acho que você está precisando ficar
sozinho, não é?
RICARDO — Sim...
Mas não pense que você está me privando disso. Obrigado por ter vindo, meu
amigo.
RICARDO e WESLEY se abraçam fortemente.
WESLEY — Se
precisar de qualquer coisa, é só ligar.
RICARDO — Está
bem.
WESLEY retira-se. Fecha a porta. RICARDO fica pensativo.
CENA 21. RIO DE JANEIRO. GERAIS. NOITE.
Anoitece.
CENA 22. MANSÃO DOS VILLARY. QUARTO DE WILLIAM. Interior. Noite.
LÍVIA entra no quarto de WILLIAM. Não contém as lágrimas.
EULÁLIA aparece. Olha para LÍVIA. Quebra o silêncio.
EULÁLIA — Dona
Lívia...
LÍVIA —
Eulália... Não era para estar em casa?
EULÁLIA —
Não... Eu não podia deixar a senhora sozinha.
LÍVIA —
Eu prefiro assim... Pegue uma quantia do dinheiro das compras, pegue um táxi e
vá pra sua casa.
EULÁLIA — Mas,
dona Lívia...
LÍVIA —
Por favor, Eulália? Agradeço por estar preocupada comigo, afinal demonstra que
zela pela nossa amizade, mas eu preciso ficar sozinha.
EULÁLIA — E o
doutor Augusto? Onde ele está?
LÍVIA —
Foi para a casa do irmão. É lá, aliás, onde ele devia ficar por um bom tempo...
Agora, por favor, vá para sua casa... Descanse!
EULÁLIA — Está
bem... Mas não quer que eu prepare um chá, pelo menos?
LÍVIA —
Não, muito obrigada!
EULÁLIA — Eu já
vi a senhora sofrer uma vez... Vai ser difícil vê-la assim novamente.
LÍVIA — O
sofrimento é uma condição humana. E é tão injusto. Mais injusto ainda é o que
ocorre com muitas mães: perder um filho ou, muitas vezes, perder dois, três,
quatro... Eu não entendo.
LÍVIA volta a chorar copiosamente. EULÁLIA a abraça
fortemente.
CENA 23. AP DOS FONTINELLY VILLARY. SALA. Interior. Noite.
ARHTUR serve um copo com uísque. Olha para AUGUSTO.
ARTHUR — Por
que já não vai descansar? Toma uma ducha, põe aquele pijama e vai dormir.
AUGUSTO — Você
agora acabou de falar como o papai.
ARTHUR — Nem
percebi.
AUGUSTO — Aonde
eu vou dormir?
ARTHUR — No
quarto de hóspedes... O pijama está em cima da cama.
AUGUSTO — Ok!
AUGUSTO levanta-se como se tivesse carregando um peso.
Retira-se. TAYLA aparece. Fita seriamente, ARTHUR.
TAYLA — O
seu irmão não deveria estar aqui.
ARTHUR — Pare,
Tayla! Você não vê que ele está passando por um momento difícil?
TAYLA — Quem
não está vendo? O fato é que ele deveria estar dando apoio à esposa... A pobre
coitada deve estar sozinha.
ARTHUR — Ela
preferiu ficar sozinha... E também, se ele fosse hoje pra casa, com certeza ela
iria infernizar os ouvidos dele só com desaforos, rancores... O meu irmão tem
que ficar em paz, por isso está aqui.
TAYLA — Eu
não acho certo.
ARTHUR — Você
não tem que achar certo ou errado... Esse apartamento é meu e o meu irmão pode
ficar o tempo que quiser.
TAYLA — Esse
apartamento é nosso que você quis dizer, não é?
ARTHUR — Tayla,
eu não vou discutir com você... Vou ver se o Augusto precisa de alguma coisa.
ARTHUR larga o copo de uísque no rack. Retira-se.
CENA 24. CASA DOS BOAVENTURA. QUARTO DE RICARDO. Interior. Noite.
GREGÓRIO abre a porta do quarto de RICARDO. CRISTINA entra com
uma bandeja. Coloca na cômoda ao lado da cama do filho, que está debaixo de uma
coberta.
CRISTINA —
Filho...
RICARDO — O que
houve, mãe?
CRISTINA — Como
está se sentindo?
RICARDO —
Péssimo!
CRISTINA — Eu
imaginei que você não fosse querer jantar, então preparei um lanche para você.
RICARDO — Eu não
estou com fome.
CRISTINA — Mas,
meu filho, você precisa se alimentar... Não pode se deixar abalar tão
facilmente a ponto de não desejar mais comer direito. Logo, logo você irá
começar a trabalhar novamente e não pode ficar fraco, se sentindo pra baixo...
Você terá que se reerguer e seguir sua vida.
RICARDO destapa-se. Senta-se na cama. Ajeita o travesseiro
para se encostar a cabeceira.
RICARDO — Eu vou
fazer o lanche.
CRISTINA —
(sorri) Que bom!
GREGÓRIO — (sorri)
Já estamos progredindo, então.
RICARDO —
Progredir... Vai ser algo bem difícil.
CRISTINA — Não
fale assim, filho.
GREGÓRIO — É,
Ricardo, não diga isso... Você vai conseguir superar tudo e nós estamos aqui
para te ajudar... Afinal somos os teus pais.
RICARDO dá um leve sorriso. Dá um gole no suco com insatisfação.
CENA 25. RIO DE JANEIRO. GERAIS. Exterior. Dia.
Dia seguinte.
CENA 26. MANSÃO DOS VILLARY. QUARTO DE WILLIAM. Interior. Dia.
Damos um giro pelo quarto de WILLIAM que parece estar um pouco
sombrio. Vemos LÍVIA dormindo na cama do filho. Está agarrada a uma camiseta
que WILLIAM tinha como a sua preferida. LÍVIA acorda sobressaltada.
LÍVIA —
William!
LÍVIA respira ofegante. Olha por todos os lados do quarto de
WILLIAM. Começa a chorar novamente. Abraça o travesseiro.
CENA 27. CASA DOS BOAVENTURA. QUARTO DE RICARDO. Interior. Dia.
RICARDO está dormindo. Também acorda sobressaltado.
RICARDO — (grita
ofegante) Mãe!
CRISTINA abre a porta rapidamente.
CRISTINA — O que
houve, meu filho? Você está suado!
RICARDO — Mãe...
CRISTINA — Você
não consegue falar direito, eu vou pegar um copo d’água para você.
RICARDO — Não me
deixe sozinho.
CRISTINA — Por
que, meu filho?
RICARDO — Eu
tive um pesadelo.
CRISTINA — Até já
posso imaginar... Mas não vamos falar sobre isso.
RICARDO — Não
foi com o rapaz... Foi com uma mulher, ela gritava desesperadamente. Acho que
era a mãe do rapaz.
CRISTINA — Foi só
um pesadelo, meu filho, esqueça.
RICARDO — Ela
deve estar sofrendo muito... Eu posso ser o grande culpado pelo sofrimento
dela.
CRISTINA — Vai
começar com essa paranóia novamente, Ricardo? Eu achei que você já tivesse
colocado em sua mente que precisa melhorar, que precisa pôr um ponto final
nessa história trágica e seguir sua vida sem estar se lamentando por um
acidente, algo que você não pôde prever e nem mesmo controlar quando ocorreu.
RICARDO — O que
eu não posso controlar é essa culpa que eu sinto.
CRISTINA — Pode
controlar, sim! Você sempre foi um garoto forte, destemido, jamais se deixou
rebaixar por nada. Vai cair em um submundo por causa de um episódio lamentável?
Um episódio trágico, mas que pode ser superado por você. Pense nisso.
RICARDO fica um pouco pensativo. Olha pra CRISTINA.
RICARDO — Quero
ficar sozinho.
CRISTINA — Está
bem.
CRISTINA levanta-se. Caminha até a porta e retira-se. Fecha a
porta ao sair.
CENA 28. EMPRESA. SALA DE AUGUSTO. Interior. Dia.
AUGUSTO chega à empresa. Caminha até a sua sala. Entra.
Depara-se com ALMIR sentado em sua poltrona.
ALMIR —
Augusto?
AUGUSTO — Bom
dia!
ALMIR —
Jurei que você não fosse vir... Por que não ficou em casa?
AUGUSTO — Eu não
podia deixar tudo aqui.
ALMIR — Eu
vim exatamente para ocupar o seu lugar durante algum tempo.
AUGUSTO — Como
assim?
ALMIR —
Augusto, você precisa de um tempo para aliviar sua mente, para se sentir
preparado para voltar aos negócios. Como você vai conseguir trabalhar assim,
nesse estado?
AUGUSTO — O
trabalho irá ocupar a minha mente.
ALMIR —
Não, você está enganado... Você precisa relaxar, reequilibrar as energias e
depois voltar ao trabalho. Vá para casa, descanse, dê todo o apoio que sua
esposa precisa nesse momento, para que juntos consigam superar esse
acontecimento. Não me leve a mal se está parecendo que estou me intrometendo em
sua vida pessoal, mas estou lhe dando um conselho de amigo.
AUGUSTO —
Almir... Nós temos muitos problemas para resolver, negócios para acertar e...
AUGUSTO não consegue terminar a frase, pois sente uma tontura.
ALMIR o ampara. O faz sentar na poltrona.
ALMIR —
Viu? Você não está bem... Se trabalhar, acabará passando mal. O teu emocional
está em um nível muito precário e, quando isso ocorre, o teu material também é
prejudicado.
AUGUSTO — Você
está com toda a razão... Eu vou embora.
ALMIR —
Vamos! Eu vou te levar para casa.
ALMIR caminha e AUGUSTO o acompanha.
CENA 29. ESTADOS UNIDOS. ARIZONA. Exterior. Dia.
Sucessão de imagens do deserto do Arizona. Acompanhamos em
ritmo frenético todo o deserto do Arizona. Vemos por todas as cidades as
montanhas rochosas, aquela terra avermelhada, os rios que tem suas curvas entre
as montanhas, a pouca presença de mato e bastante cacto característico da
região. As imagens devem ser mostradas em forma de cartões postais,
acompanhadas por uma música ambiente.
INSERIR LEGENDA:
Sedona – Deserto do Arizona, EUA.
CENA 30. ARIZONA. MONTANHAS. Exterior. Dia.
Uma equipe de segurança analisa os últimos preparativos para
uma competição de Mountain Bike, enquanto fotógrafos tiram fotos com câmeras e
celulares. Outros são tomados pelo nervosismo assim como os competidores.
REYNALDO técnico de SÉRGIO, aproxima-se.
REYNALDO — Você vai
ser o último, Sérgio, então bota pra quebrar!
SÉRGIO —
(sorri) Rumo ao mundial.
MEIA HORA DEPOIS.
A competição começa. Os primeiros atletas já começam a fazer um grande
espetáculo com suas bicicletas, envolvendo manobras perigosas em meio às
descidas da montanha, as pedras e a terra. Todos usam os adequados equipamentos
de segurança.
Chega a hora da apresentação final. SÉRGIO acena para todos os
presentes. Coloca o capacete em seguida. JERRY um dos competidores aproxima-se
para cumprimentá-lo.
JERRY —
(sorri) Good luck!
SÉRGIO faz um gesto obsceno para o rival. Ao iniciar sua
apresentação, SÉRGIO perde o controle da bicicleta. Não consegue frear para
realizar as manobras. Sofre um acidente. Em “SÉRGIO” caído no chão.
4º INTERVALO COMERCIAL
CENA 31. ARIZONA.
MONTANHAS. Exterior. Dia.
Continuação imediata da cena anterior.
REYNALDO desce uma rocha para amparar SÉRGIO. Logo atrás, dois rapazes da
equipe de enfermeiros aproximam-se.
REYNALDO — Sérgio...
Você está bem? (Sérgio dá um gemido de
dor. Reynaldo continua) Suas costas estão doendo?
SÉRGIO — (com
dificuldade) Sim.
REYNALDO faz um sinal para os dois enfermeiros, que
cautelosamente colocam SÉRGIO em uma maca e o levam.
CENA 32. arizona. trailer. Interior. Dia.
SÉRGIO está deitado na cama. Levanta-se com um pouco de
dificuldade. REYNALDO o observa.
REYNALDO —
(preocupado) Acho melhor você continuar deitado.
SÉRGIO — Isso
não podia ter acontecido agora.
REYNALDO — Acidentes
acontecem.
SÉRGIO — Não,
Reynaldo... Isso foi armação!
REYNALDO — Armação?
Armação de quem, Sérgio? Está maluco?
SÉRGIO —
Daquele mauricinho metido a atleta... Aquele de Beverly Hills.
REYNALDO — O Jerry?
SÉRGIO — Sim,
esse aí mesmo.
REYNALDO — Por que
você acha que ele armaria contra você?
SÉRGIO —
Porque eu era o melhor da competição e, sem sobra de dúvida, iria tirar o lugar
dele na final... Esse cara me odeia desde o início da competição.
REYNALDO — Quer que
eu mande alguém revisar a bicicleta que você usava?
SÉRGIO —
Não... Agora já é tarde... E também, não tem como provar que ele tenha sabotado
o freio.
REYNALDO — O freio
não funcionou?
SÉRGIO — Não,
não funcionou... E, por isso, eu acabei perdendo o controle no momento de fazer
a manobra e acabei sofrendo o acidente.
REYNALDO dá um sorriso irônico. Balança a cabeça
negativamente.
REYNALDO — Jerry até
pode ser classificado para a final, mas não vencerá o mundial.
SÉRGIO —
(revoltado) Se ele vencer, eu vou atrás dele em Beverly Hills e lhe dou com a
taça na cabeça!
REYNALDO — (sorri)
Agora que você está fora da competição... O que irá fazer?
SÉRGIO —
(seriamente) Voltar pro Brasil.
SÉRGIO olha com ódio para um canto fixo do trailer. REYNALDO o
observa.
CENA 33. RIO DE JANEIRO. GERAIS. Exterior. Dia.
Planos gerais da cidade do Rio de Janeiro são mostradas em
ritmo frenético acompanhados por uma música ambiente. Percorremos toda cidade
até chegarmos à frente da mansão dos Villary.
CENA 34. MANSÃO DOS VILLARY. FRENTE. Exterior. Dia.
ALMIR estaciona o carro em frente à mansão. AUGUSTO sai do
carro. Em seguida, ALMIR sai. Fica observando a bela residência.
ALMIR —
Você tem uma bela casa.
AUGUSTO, pensativo, acaba não prestando atenção no que ALMIR
falara, mas depois se dá conta.
AUGUSTO — Sim...
É uma bela casa!
ALMIR —
Bom, eu já vou embora.
AUGUSTO — Quero
agradecer por ter me trazido, Almir.
ALMIR — (dá
um leve sorriso) Descanse a mente, Augusto.
ALMIR entra em seu automóvel. Dá a partida. AUGUSTO entra na
mansão.
CENA 35. MANSÃO DOS VILLARY. SALA. Interior. Dia.
AUGUSTO entra em casa. Fica olhando para os lados como se
procurasse algo ou alguém. Dirige-se à sala de jantar. Fica olhando para a mesa.
Lembra-se de WILLIAM.
FLASHBACK
WILLIAM – (grita) E por
que o senhor não fez isso?
AUGUSTO – (grita) Porque
eu não iria me matar por um miserável como você... Um verdadeiro coitado que
irá acabar sem nada, na lama.
Voltamos para AUGUSTO que não contém as lágrimas. LÍVIA
aparece. Cruz os braços e fica o observando.
LÍVIA —
Se lembrando das coisas terríveis que você disse pra ele naquele dia?
AUGUSTO vira-se para LÍVIA, surpreso.
AUGUSTO —
Lívia... (aproxima-se de Lívia para lhe
dar um abraço. Lívia esquiva-se severamente) Lívia, eu te peço perdão.
LÍVIA —
Perdão, Augusto? Perdão depois que o nosso filho já está morto?
AUGUSTO — Eu sei
que errei com o William.
LÍVIA —
Sabe? Você devia ter pedido perdão ao William quando ele ainda estava vivo e
internado naquela clínica... Você devia ter pedido perdão, demonstrado amor ao
seu filho, devia lhe dar apoio moral... Porque eu garanto que se ele tivesse o
mínimo de afeto por sua parte, ele iria se sentir seguro pra continuar o
tratamento... Ele era doente, mas você nunca quis enxergar isso porque sempre
elevou o seu preconceito acima de tudo. Você dizia que ele não era um
dependente químico, que ele não passava de um sem-vergonha, vagabundo... Você
sempre colocou o nosso filho para baixo, nunca tentou entendê-lo, nunca parou
para conversar com ele e dizer que aquele era um caminho errado a ser seguido e
que ele precisaria de ajuda. (Augusto
chora copiosamente. Lívia continua) Agora você chora, Augusto... Depois de
tudo o que você fez.
AUGUSTO — Eu
estou sofrendo tanto quanto você... É uma dor tão forte, uma dor que eu não
consigo explicar.
LÍVIA —
Você não sente mais do que eu... Porque eu apoiei o nosso filho, eu tentei
salvar a vida dele.
AUGUSTO — Foi um acidente,
Lívia... O William estava embriagado.
LÍVIA —
Mas eu tentei prevenir que algo assim ocorresse, quando o levei naquela clínica
para que ele passasse por um tratamento e pudesse viver melhor futuramente,
enquanto você apenas sabia gritar, xingar e dar os seus espetáculos.
AUGUSTO — E do
que adianta você ficar largando essas coisas na minha cara?... O William está
morto!
LÍVIA revoltada dá uma bofetada em AUGUSTO. AUGUSTO toca o
rosto e fica boquiaberto. Olha para LÍVIA.
LÍVIA —
Morto por sua culpa... E essa bofetada foi pela surra que você deu nele naquela
noite em que você ofereceu aquele jantar para seus familiares e os seus colegas
de trabalho. Pura exibição! Só pra esfregar o seu auge na cara dos outros,
dizer que estava crescendo cada vez mais profissionalmente, enquanto o seu
filho estava passando por um problema sério e você não deu o mínimo de
atenção... Por que não ficou na casa do seu irmão? Eu não preciso ter que
agüentar a sua presença, já não chega o fato de eu ter perdido o meu filho... O
segundo filho que eu perco! Vá embora!
LÍVIA caminha até a sala de entrada. Abre a porta. AUGUSTO a
acompanha.
AUGUSTO — Eu não
vou voltar pra casa do Arthur.
LÍVIA —
Pouco me importa... Eu só não quero te ver na minha frente.
AUGUSTO — Lívia,
você não pode agira assim. Essa casa também é minha.
LÍVIA —
(altera a voz) Saia, Augusto!
AUGUSTO a olha seriamente. Retira-se. LÍVIA fecha a porta. Não
contém as lágrimas.
CENA 36. MANSÃO DOS VILLARY. CARAMANCHÃO. Exterior. Dia.
AUGUSTO senta-se. Enterra a cabeça enterra a cabeça entre os
braços. Respira profundamente. Solta o ar com nervosismo.
CENA 37. ESTÚDIO FOTOGRÁFICO. ESCRITÓRIO. Interior. Dia.
TAYLA e MARINA revisam algumas fotos tiradas no último ensaio.
TAYLA — (dá
a foto para Marina) Essa.
MARINA observa a imagem. Dá um sorriso.
MARINA — Ficou
linda.
TAYLA —
(concorda sorrindo) É...
MARINA —
(afasta-se) E como estão as coisas?
TAYLA —
Augusto ficou essa noite lá em casa.
MARINA — E a
Lívia ficou sozinha?
TAYLA — Sim,
por incrível que pareça... E o Arthur achou certo ainda.
MARINA — E tem
algo que o seu marido não ache errado quando está errado mesmo?
TAYLA — O
pior é que você tem razão. E também, como já sabemos, o Arthur e o Augusto não
negam que são irmãos: eles tem o mesmo gênio!
REJANE aparece. Coloca uma revista sobre a bancada.
MARINA — O que
é isso?
REJANE —
(sorri) Miguel Nunes de Castro está voltando ao Brasil.
TAYLA —
(sorri ironicamente) Quem é esse?
MARINA — É o
artista que teve sua carreira patrocinada pelo meu avô.
REJANE — E
está aí a chance de fazermos uma exposição falando de arte, sem falar na
publicidade e nos ótimos rendimentos que teríamos.
TAYLA — Sabe
que você tem razão, Rejane? (dirigindo-se a Marina) Você nunca me falou desse
Miguel, Marina.
MARINA — Eu
fiquei sabendo quando era adolescente... Ele é um ótimo pintor e desenhista,
tem um grande talento. No início da década de 90, ficou conhecido como o
“artista revolucionário”.
REJANE —
Sim... Tanto que a exposição “A Alma de Sophia” foi bastante aclamada pela
crítica.
MARINA, tomada por uma expressão estranha, desvia o olhar.
TAYLA percebe o motivo. REJANE também percebe.
REJANE —
(cont.) Ah... Desculpe-me, Marina!
MARINA —
(ríspida) Não cite mais esse nome, por favor?
REJANE balança a cabeça negativamente. Retira-se. TAYLA olha para
MARINA. Fica a fitando.
TAYLA —
Marina, você tinha que ter entendido que o nome da exposição é...
MARINA —
(interfere) Não faço questão de ouvir esse nome.
TAYLA — A
Rejane nos deu uma ótima ideia e...
MARINA —
(interfere) Não... Nós não iremos fazer exposição nenhuma com esse artista.
TAYLA — Mas,
Marina, seria uma grande chance. Pense na publicidade.
MARINA —
(revoltada) Não, Tayla!
MARINA retira-se. Inconformada, TAYLA vai atrás dela.
TAYLA — Um
dia, você vai ficar frente a frente com sua mãe e você terá que perdoá-la. Não
é possível que no seu coração só tenha ressentimentos.
MARINA vira-se para TAYLA.
MARINA —
(ríspida) O dia em que eu ficar frente a frente com essa mulher, eu estarei
preparada para acabar com a vida dela! Comigo, ela não terá paz por nenhum
segundo!
TAYLA — As
coisas não são assim, Marina... Ela errou em ter te abandonado, mas é a sua mãe
e nada poderá mudar isso. Já pensou se ela está arrependida hoje em dia? Errar
é humano, Marina, achei que você soubesse disso.
MARINA — Ela
pode estar arrependida, mas nunca terá o meu perdão... E abandonar um filho é
um dos piores atos do ser humano, pra mim.
TAYLA —
Concordo com você, Marina... Mas...
MARINA —
(interfere) Não quero mais falar sobre isso.
MARINA retira-se. TAYLA fica pensativa. REJANE reaparece.
TAYLA — Peço
desculpas pela Marina.
REJANE — Eu
já estou acostumada, Tayla. Ela não pode nem ouvir falar no nome da mãe.
TAYLA — Só
espero que um dia ela consiga entender o que eu tanto digo. A mãe dela pode
acabar reaparecendo, é uma hipótese que não podemos descartar.
REJANE —
(concorda) Pois é... (T: continua) E como ficamos em relação ao pintor famoso
que está regressando ao país?
TAYLA —
(pensativa) Seria maravilhoso e lucrativo uma exposição de fotos com esse tal
de Miguel Nunes de Castro.
TAYLA e REJANE se entreolham. Sorriem.
5º INTERVALO COMERCIAL
CENA 38. RIO DE JANEIRO. PLANOS GERAIS. EXTERIOR. DIA SEGUINTE.
Planos gerais do Rio de Janeiro são mostrados em ritmo
frenético, acompanhados por uma música ambiente. Mostramos a transição de um
dia para o outro. Mostramos a imagem de um avião preparando pouso. Em seguida
mostramos a fachada do aeroporto.
CENA 39. AEROPORTO INTERNACIONAL TOM JOBIM. SALA DE DESEMBARQUE.
Interior. Dia.
O avião vindo dos Estados Unidos pousa e todos os passageiros
desembarcam, inclusive SÉRGIO, que carrega uma mochila e uma pequena mala.
SÉRGIO atravessa a sala de desembarque em direção à porta. Sai e encaminha-se
até a saída do aeroporto. Acena para um táxi, que para próximo a ele. SÉRGIO
entra e fora de áudio dá ordem ao taxista para que ele siga para o Leblon.
Percebemos pelo movimento da boca de SÉRGIO. O taxista liga o carro e parte.
CENA 40. LEBLON. CONDOMÍNIO. Exterior. Dia.
O táxi estaciona. SÉRGIO paga ao taxista. Desce. O táxi vai
embora. SÉRGIO cumprimenta o porteiro e vai direto ao apartamento de seus pais.
CENA 41. AP DOS VIDAL FERRAZ. SALA. Interior. Dia.
A campainha toca. PATRÍCIA vai atravessa a sala até a porta.
Abre. Depara-se com SÉRGIO. Dá um sorriso irônico.
PATRÍCIA — Não creio.
SÉRGIO —
Voltei irmãzinha. (entra sem pedir
licença. Larga a mochila e a mala no chão) É assim que me recebe? Nem me dá
um abraço?
PATRÍCIA — Eu
ainda estou tentando ingerir o fato de que você está de volta... Você não
estava numa competição mundial de Mountain Bike?
SÉRGIO — Eu
fui eliminado.
PATRÍCIA — (dá
uma risada irônica) Nem estou acreditando.
SÉRGIO — Eu
não acho isso engraçado... Sabe o quanto eu lutei para chegar ao mundial e
ainda ter a chance de me tornar o único brasileiro a ter chegado a uma
semifinal?
PATRÍCIA — Agora
você terá que ser obrigado a arranjar um emprego, porque o papai não vai
admitir que você continue morando aqui e levando a sua vida na base da
aventura.
SÉRGIO — Essa
é a minha vida, Patrícia... Eu sempre ganhei dinheiro com isso e amo o que
faço.
PATRÍCIA — Vai
fazer isso pro resto da sua vida?
SÉRGIO — Quem
é você pra me julgar? Você, por acaso, está fazendo algo de sua vida?
PATRÍCIA — Estou
fazendo faculdade.
SÉRGIO — E
não deveria estar lá?
PATRÍCIA —
Férias, meu filho, férias
!
A porta abre-se. CECÍLIA entra. Fica parada próximo a porta ao
ver Sérgio.
CECÍLIA —
Sérgio?
SÉRGIO —
Voltei, mãe.
CECÍLIA — E
nem me avisou nada?
SÉRGIO — É
que...
PATRÍCIA —
(interfere) É que ele foi eliminado do mundial de Mountain Bike, mãe.
SÉRGIO — (revoltado)
Dê licença!
PATRÍCIA — (sorri
ironicamente) Ok!
PATRÍCIA retira-se debochando de SÉRGIO. SÉRGIO olha para
CECÍLIA.
CECÍLIA —
(larga a bolsa no sofá) Era pra ter me informado sobre sua volta.
SÉRGIO — Me
desculpe, mãe.
CECÍLIA — E por
que você foi eliminado? Parecia estar tão confiante.
SÉRGIO — Eu
levei uma rasteira de um dos competidores.
CECÍLIA — Como
assim?
SÉRGIO — Na
semifinal, cortaram os freios da minha bicicleta e eu acabei sofrendo um
acidente.
CECÍLIA — Mas
você denunciou essa pessoa? Você sabe quem fez isso?
SÉRGIO — Até
sei, mas eu não tinha provas.
CECÍLIA — Só o
freio cortado já bastava como uma prova.
SÉRGIO — Eu e
ele também não nos dávamos bem.
CECÍLIA — Mais uma suspeita de que esse cara tenha
feito isso.
SÉRGIO — Eu
queria muito ter ganhado essa competição. Eu não esperava voltar ao Brasil logo
agora.
CECÍLIA — Eu
também não esperava a sua volta tão cedo... Mas já que está aqui, até fico mais
tranqüila.
SÉRGIO — Por
quê?
CECÍLIA —
Porque eu vi uma competição de Mountain Bike pela televisão e fiquei muito
apavorada. (Sérgio dá um leve sorriso.
Cecília aproxima-se e o abraça fortemente) Você nem vai acreditar no que
ocorreu.
SÉRGIO — O
quê?
CECÍLIA —
Reencontrei uma pessoa muito especial. Quero dizer, vou reencontrar.
SÉRGIO — Mãe,
a senhora...
CECÍLIA —
Sérgio, não pense bobagens. Eu amo o seu pai... É uma amiga. Uma grande amiga.
Ela está voltando para o Brasil e ficará hospedada aqui.
CECÍLIA sorri para o filho. SÉRGIO suspira aliviado. Sorri
também.
CENA 42. NOVA YORK. PLANOS GERAIS. Exterior. Dia.
Planos gerais de Nova York revela as belezas da cidade como
cartões postais, até chegarmos a um Cyber Café. As imagens são mostradas
acompanhadas por uma música ambiente.
CENA 43. CYBER CAFÉ. PRAÇA DE ALIMENTAÇÃO. Interior. Dia.
ARIEL está acompanhado por NATHALIE, uma amiga de muito tempo.
ARIEL toma um Milk-shake e NATHALIE um suco. Conversa já iniciada.
NATHALIE — E você
está chateado porque terá que voltar ao Brasil?
ARIEL —
Não é isso.
NATHALIE — Você
não é obrigado a viver no pé do Miguel para o resto de sua vida.
ARIEL —
Acontece que eu gosto dele.
NATHALIE — Que
você gosta dele... Disso eu sei.
ARIEL —
(estranha) Sabe?
NATHALIE — Oi?
Você está me falando isso em que sentido?
ARIEL dá um gole em seu Milk-shake. Permanece quieto.
NATHALIE — (cont.)
Ariel, é isso mesmo que está se passando pela minha mente?
ARIEL — Eu
convivo já há um bom tempo com o Miguel... Eu era muito jovem quando me tornei
assessor dele e acabei virando um amigo.
NATHALIE — E
acabou que...
ARIEL —
Que eu gosto muito dele... Sou apaixonado pelo Miguel.
NATHALIE fica boquiaberta. Dá um gole em seu suco.
NATHALIE — Cinco
anos de amizade já e você nunca me falou sobre sua sexualidade e sobre o fato
de que você é apaixonado pelo seu melhor amigo.
ARIEL — Eu
sei que isso não está certo.
NATHALIE — Certo
não está, mas errado também não. Nós não somos capazes de controlar nossos
sentimentos... Se eu fosse você, deixava o Miguel partir sozinho.
ARIEL —
Não posso fazer isso.
NATHALIE — E vai
continuar como o “amigo” do homem pelo qual você é apaixonado desde jovem?
ARIEL — Na
verdade, esse sentimento aflorou quando o Miguel se casou pela primeira vez.
NATHALIE — Se é
que dá pra chamar de casamento algo que não durou nem três meses.
ARIEL —
Pelo menos o segundo foi mais longo. Dois anos com aquela insuportável da
Dafne.
NATHALIE — Nem me
diga! Essa mulher era um verdadeiro pé no saco!
ARIEL —
Mas ele nunca amou nenhuma das duas... Ele sempre esteve com Sophia em seus
pensamentos... Ele está voltando ao Brasil com a esperança de reencontrá-la lá.
NATHALIE — E você
irá com ele para vê-lo sofrendo por uma desilusão? Você irá sofrer mais, Ariel.
Desista de partir com Miguel para o Brasil... É o melhor que você tem a fazer.
ARIEL fica pensativo. Notamos uma expressão triste em seu
rosto. O celular de ARIEL toca. ARIEL atende rapidamente. Ao final da ligação.
ARIEL olha para NATHALIE.
NATHALIE — Quem
era?
ARIEL — Era
de um estúdio fotográfico do Rio de Janeiro. Já deve ter sido publicado a volta
de Miguel pra lá e já começam a surgir propostas, sessões fotográficas,
exposições, entrevistas...
NATHALIE — Sei.
ARIEL —
Pois é...
ARIEL volta a tomar o seu milk-shake. NATHALIE faz o mesmo e
volta a tomar seu suco.
CENA 44. RIO DE JANEIRO. PLANOS GERAIS. Exterior. Dia.
Planos gerais da cidade do Rio de Janeiro em movimentos
frenéticos, como cartões postais. Acompanhamos os principais pontos do Rio de
Janeiro, até chegarmos ao estúdio fotográfico de TAYLA e MARINA.
CENA 45. ESTÚDIO FOTOGRÁFICO. ESCRITÓRIO. Interior. Dia.
MARINA olha a agenda com as próximas sessões autográficas.
Acha estranho. TAYLA aparece.
MARINA — Quem
é Ariel Avellar?
TAYLA — O
assessor de Miguel Nunes.
MARINA — E por
que o nome dele está aqui?
TAYLA —
Porque eu entrei em contato e ele pediu que eu ligasse novamente mais tarde.
MARINA —
Tayla, o que eu falei sobre a ideia de Rejane?
TAYLA —
Marina, eu não vou levar em consideração... Nós vamos fazer uma sessão
autográfica com esse artista e daremos uma exposição.
Revoltada, MARINA fica encarando seriamente para TAYLA.
Congela em “MARINA” revoltada.
FIM DO CAPÍTULO 31
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