dezembro 30, 2019

Dezembro Brilha - 05: O Presente - de Hugo Martins

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O Presente

Esse é o tipo de história que você precisa ler em um estado contemplativo. De forma relaxada, respirando pausadamente e mantendo a mente consciente. Tudo isso por que o que vou lhe contar não é nada muito extravagante. Mas, uma história cadenciada que vai sendo bebida aos poucos, como uma boa sopa em uma noite gelada.
Dizem que o número três tem um significado de completude. Também dizem isso do número sete, mas o três tem uma marca própria. Percebeu que somos corpo, alma e espírito? Então, ai já tem três partes! Mas, tem mais: manhã, tarde e noite. E o que dizer do passado, presente e futuro?!
Tudo que termina em três completa um ciclo, e assim aconteceu com os três filhos de Maria. Nicolau, Kevin e Túlio eram trigêmeos idênticos. Criados com o mesmo estilo de roupa, a mesma rotina e a mesma disciplina. Eram crianças normais até o ano passado, quando os pais deles morreram em um acidente de carro.
Eles tinham apenas dezessete anos quando o trágico dia fatídico aconteceu. Era 31 de dezembro e a família viajava para o interior do estado. Iriam passar a virada do ano com os avós. Tudo ocorria bem, até que pararam em um posto na beira da estrada, e enquanto os meninos correram até o banheiro, o casal aguardava-os no carro.
Nicolau foi o primeiro a sair do banheiro e presenciar o acidente. Um caminhão desgovernado saiu da estrada, e invadiu o posto esmagando o carro em que seus pais estavam. No mesmo instante, Nicolau caiu em prantos desmaiando em seguida. Ele somente acordou um ano depois no dia 31 de dezembro. Pois durante todo esse ano, ele ficou em estado de choque sem compreender o que havia ocorrido. Aquele caminhão não esmagou somente seus pais, mas também o seu espírito.
Kevin era o mais equilibrado. Ele tocou a vida, apesar da dor constante que lhe tirava o fôlego. Seus mentores foram arrancados de forma brusca. Aqueles que lhe proviam proteção foram massacrados por um caminhoneiro imprudente. Nada seria como antes, Kevin sabia disso. Era um momento arriscado em que ele deveria saltar. Ele precisava ir além, precisava ser corajoso, determinado e firme. Alguém tinha que cuidar da casa e auxiliar seus irmãos, então ele assumiu essa responsabilidade.
Enquanto que Túlio abrigou rotas de fuga dentro de si. Começou a ter sonhos constantes. E seus sonhos começaram a se materializar. Certo dia, ele acordou contando que sonhara com um pássaro quebrando a vidraça da cozinha. Foi somente fechar a boca e o pássaro colidiu contra a janela dando um baita susto em todos. Aquilo era tudo muito estranho e o eco da perda ainda ressoava na vida dos trigêmeos.
Porém, Kevin estava determinado a estabelecer a vida novamente. Ele sabia que tinha que levantar seus dois irmãos daquela situação depressiva. E a forma mais lógica que lhe veio à mente era comemorando novamente a passagem do ano. Ele queria superar a dor e viver com uma nova perspectiva do futuro.
No dia 31 de dezembro Kevin acordou cedo. Era cinco da manhã quando ele puxou a cadeira da cozinha e sentou-se no quintal. Com uma xícara de café nas mãos, sentou-se ereto e fechou os olhos. Inspirou e expirou pausadamente. Sentiu os primeiros raios de sol afagarem sua face. Sentiu o cheiro da erva verde e do eucalipto. Uma brisa delicada soprou-lhe os cabelos causando-lhe arrepios.
Ainda de olhos fechados, mergulhou dentro de si. Gostava de chocolate, iria fazer um bolo de chocolate. Um peru explodiu diante dele lhe lembrando da ceia. Precisava arrumar a casa, varrer o assoalho e lavar a louça. Uma emoção surgiu diante dele. Uma onda de angústia quis tirar-lhe a paz, essa onda era agitada e afirmava que ele não conseguiria. Mas Kevin não atentou para a onda e lembrou-se do lago que ficava ao sul da sua casa. Um lago sereno e límpido que lhe trazia paz. Sua mente sentou-se diante do lago e inspirou a quietude.
Kevin estava ali. Sentado no quintal da casa. Não havia monstros de fato. Tudo estava dentro. E ele ao abrir os olhos percebeu isso.
Seu irmão Nicolau sentou-se ao seu lado.
- Tá fazendo o quê aí parado?
- Estou aqui!
- Isso eu sei. Mas o que você tá fazendo parado? – insistiu Nicolau.
- Percebendo!
- Você tá estranho.
Kevin deu uma pequena risada para o irmão.
- E você está aonde? – perguntou Kevin.
- Aqui!
- Ótimo!
- Hoje é dia de virada – disse Kevin, analisando a expressão do irmão.
- Não gosto mais dessa data.
- É só mais um dia como qualquer outro. O que muda é o que está dentro da mente – Kevin disse apontando o indicador pra cabeça.
- Ano passado estávamos em paz com o papai e a mamãe. E hoje? Não é só mais um dia comum. Faz um ano exatamente que eles se foram.
- Se passaram 365 dias desde aquela data. Quanto tempo é preciso pra sair daquele dia?
- Você não viu o que eu vi – disse Nicolau, esfregando o canto dos olhos.
- Mas, eu senti tanto quanto você sentiu. Eu também estava lá Nicolau. Agora estou aqui – disse Kevin, fechando os olhos novamente.
Ao fechar os olhos uma nuvem escura apareceu diante dele. Kevin saiu de dentro da nuvem e pairou acima dela. Ele flutuava como uma pena bailando no espaço. Seus olhos contemplaram um caminhão se aproximando e como num flash ele viu o carro dos seus pais em chamas. Aquelas chamas se tornavam em cobras flamejantes que se aproximavam dele. As serpentes picavam o seu peito e o veneno ardia seu coração. Mas, Kevin sabia o que fazer. Ele enfiou sua mão dentro do peito e arrancou seu próprio coração. O órgão pulsava lentamente como se estivesse morrendo aos poucos, e uma mancha negra se espalhava por todas as veias. Ele sugou o veneno para cuspi-lo em seguida. E devolveu o coração ao lugar. Depois disso não havia mais acidente. Seus pais estavam ali diante dele, lhe dando um abraço apertado e sorrindo. Enfim sumiram com um brilho fulgurante.
- Você não conseguiu sair de lá – disse Kevin.
- Talvez eu nunca saia.
Enquanto conversavam, Túlio sentou-se do outro lado de Kevin. Os três ficaram em silêncio, ouvindo o canto dos pássaros.
- Tive outro sonho – disse Túlio, quebrando o silêncio.
- Com o que você sonhou? – perguntou Kevin.
- Sonhei que nós estávamos sentados à mesa comendo a ceia, quando um tremor chacoalhava tudo, e uma bola de gelo enorme, caia sobre a nossa casa afundando tudo no chão. Todos nós morríamos na mesma hora. E, fazia muito frio na morte – ele disse, abraçando as pernas.
- Foi só mais um sonho. Nada disso aconteceu ou vai acontecer – Kevin disse para acalmá-lo.
- Mas, eu fiquei com muito frio. Como isso pode acontecer? – ele falou tremendo o queixo de frio.
- Isso é coisa da sua cabeça Túlio. Só relaxa – Kevin levantou-se e encarou os irmãos – Hoje é um dia especial. Vamos saltar todos juntos?
- Que é isso, saltar? – perguntou Nicolau.
- Vamos além do que estamos vivendo. Mudar nosso status quo. Ou seja: vamos mudar, reinventar. Já chega de ficar na bad chorando pela perda dos nossos pais. Hoje é dia de superação.
- E o que você planeja? – perguntou Túlio.
- Vamos arrumar a casa, preparar a ceia, decorar tudo e convidar todo mundo pra ceiar com a gente! – disse Kevin animado.
- Não viaja! – rebateu Nicolau.
- Bem! Se vocês não vão me ajudar, por favor não me atrapalhem.
Então, Kevin fez o que planejara. Limpou tudo, fez a ceia e decorou a casa. Tudo estava pronto.
No fim do dia uma vizinha que fora convidada para a ceia bateu em sua porta. Kevin atendeu animado, e disposto a mudar. A vizinha lhe deu um presente e disse que retornava na hora do jantar. Ele ficou curioso e abriu o presente. Ao ver o que tinha dentro seu rosto se iluminou.
Enquanto Kevin corria para mostrar o que havia ganhado, Nicolau foi ao banheiro querendo fugir do irmão. Tudo estava escuro lá dentro e ele não conseguia achar o interruptor. Mas, quando seus dedos tocaram no botão, e a luz foi acesa, ele se assustou com o que viu. Nas paredes várias fotos estavam pregadas. As imagens mostravam o carro esmagado de seus pais. O fogo consumindo tudo. Seus irmãos chorando em desespero. O caixão sendo levado pelos familiares. Os dias de insônia e desespero que ele viveu depois disso. E, Nicolau simplesmente despencou no chão do banheiro. Na queda, a chave caiu dentro do ralo.
Ele começou a debater-se contra a porta, tentando sair dali. Sem conseguir olhar para as paredes, ele arrancou o porta toalhas e martelava os ladrilhos quebrando tudo. Conseguiu acertar a lâmpada ficando totalmente no escuro. Seus berros eram ouvidos à distância.
Enquanto isso, Túlio arrancou toda sua roupa do guarda-a-roupa e pôs se a vestir-se. Uma calça, duas calças, três calças e quanto mais ele conseguisse vestir. Pôs uma camisa, outro casaco, e mais outras camisetas por cima. Um gorro, um protetor auricular e várias meias. Uma bota de couro e várias luvas. Ele se jogou debaixo de várias cobertas tentando fugir do frio. Um frio que atingira sua mente.
Kevin correu para tentar destrancar a porta do banheiro, mas tudo foi inútil. Já era noite, e os vizinhos iriam começar a chegar. Ele precisava deixar tudo em ordem. Então, correu para pedir ajuda de Túlio, para encontrá-lo debaixo das cobertas.
- Que você tá fazendo cara? – perguntou Kevin, preocupado.
- Estou com muito frio!
- Estamos com vinte e nove graus celsius, e você tá enrolado desse jeito. Não tá tão frio assim Túlio, isso é coisa da sua cabeça.
- Tem uma bola de gelo vindo em nossa direção. Se eu estiver protegido talvez não faça tanto frio assim.
- Mas, isso não aconteceu meu irmão! Você precisa sair dai e me ajudar!
- Eu não posso! O frio está vindo!
- Eu sei que a morte do papai e da mam...
- Não fala disso, por favor – disse Túlio interrompendo o irmão.
- Nós precisamos encarar essa realidade.
- Não quero ouvir. Por favor não fala – Túlio gritava, entrando em profunda angústia.
- Eles se foram e isso é a realidade. Nós estamos aqui e agora! Esse é o nosso presente Túlio, você precisa entender.
- Não!!! Por favor para. Estou debaixo da bola de gelo e está muito frio.
- Não irmão! Você está aqui comigo! – Kevin dizia, enquanto arrancava toda a roupa que cobria o irmão.
Em gritos profundos de angústia Túlio ficou despido. Kevin arrancara toda sua roupa e lhe levara até o seu banheiro, enchendo a banheira e empurrando o irmão dentro.
Túlio estava em choque. Kevin se aproximou do irmão.
- Olha pra mim Túlio.
Kevin segurou o rosto do irmão.
- Isso é o que nós temos. Temos um ao outro. Eles se foram e a nossa realidade é essa. Precisamos trabalhar, estudar, cuidar das coisas. Todos os dias precisamos vencer um dia de cada vez. O agora é a única coisa que nos resta. Estamos aqui e agora. Você me entende? Não dá pra viver de sonhos, de um futuro sombrio e sem vida. Você precisa estar presente. Viver no agora, tá entendendo?
Túlio balançava a cabeça concordando.
- Eu só não queria aceitar que eles se foram. Queria sufocar essa realidade com planos e projetos futuros. Não queria pensar nisso – confessou Túlio.
- Você não é esse trauma! Você não é essa perda! Você não é essa ansiedade do futuro. Você precisa sair disso e encontrar quem você é de fato. Mas, toda essa dor, simplesmente não te define.
- Eu vou ficar bem. Se você me ajudar eu sei que vou ficar lúcido.
- Estou aqui irmão. Conta comigo – disse Kevin dando um abraço apertado em Túlio.
Enquanto Túlio se recompunha, Kevin desceu até o banheiro social e tentou falar com Nicolau, que ainda estava preso.
- Irmão, tá tudo bem? – perguntou Kevin.
- Eu não consigo respirar Kevin. Tá tudo escuro aqui dentro. Tem fotos do acidente aqui cara. Por que você fez isso? – disse Nicolau, ofegante.
- Eu não fiz nada irmão. Você só precisa relaxar e respirar ok!
- Eu não consigo, eu não consigo Kevin!
- Tá! Só para de falar e me escuta tá?!
- Tá!
- Deita no chão.
- Tá! Deitei! – disse Nicolau.
- Imagina que você está deitado em uma nuvem. Ela é fofa e refrigera todo o teu corpo. Daí, essa nuvem começa a te envolver e seu corpo inteiro vai se misturando à nuvem. Enquanto você vai se transformando na nuvem, o ar entra lentamente pelo seu nariz. Ele para um pouco dentro do seu peito, e vai saindo lentamente da mesma forma como entrou. Mas, esse ar fica pairando sobre sua cabeça por alguns segundos, para de novo entrar no seu pulmão bem devagar e parar mais alguns segundos lá.
Kevin parou e ficou escutando através da porta.
- E aí, como se sente?
- Tô mais calmo – Nicolau respondeu.
- Ok, continua respirando assim tá!
- Como faço pra sair daqui?
- Irmãozão, você tá preso nisso tudo. Não consegue sair dessa situação, desses flashes do passado. Tá na hora de se libertar.
- Eu sei! Só não consigo.
- Tá me ouvindo?
- Tô!
- Essa é a minha voz. A minha voz agora! E você consegue ouvir não é?
- Sim!
- Então, porque eu estou aqui, você também está!
- Sim, eu sei que estou aqui! – respondeu Nicolau.
- Mas a sua mente está no passado. Você precisa entender que a resposta e a solução já estão aqui. Está com você!
- Não entendi.
- Só você pode sair daí, Nicos!
- A chave caiu pelo ralo.
- Você escondeu uma chave ai dentro lembra? Você me disse isso!
- É verdade!
- Então, você só precisa encontrar essa chave e sair dai irmão!
- Tá, vou procurar.
Alguns segundo de silêncio e a porta é destrancada por dentro. Nicolaus abraça seu irmão.
- Me perdoa por tudo. Eu estava iludido vivendo no passado e preso a essas lembranças.
- Você não precisa me pedir perdão. É hora de viver o presente! Vamos?!
Os três sentaram à mesa e cearam com os vizinhos convidados. Juntos celebraram mais um ano, mais um dia que se havia levantado.
Dessa forma, recomeçaram a viver no presente. No fim das contas Kevin mostrou o presente que ganhara da vizinha para os seus irmãos. Eles ficaram impactados quando abriram a caixa e notaram seus reflexos em um espelho no interior.
Entenderam que para viver basta estar no presente, sarando as feridas do passado e tirando lições das experiências. E, planejando o futuro dando um passo após o outro dentro do presente.
Assim, 31 de dezembro tornou-se um símbolo de consciência. Uma data de voltar-se para si e se enxergar no presente. Afinal de contas o único momento que realmente temos é o agora.

FIM
dezembro 26, 2019

Dezembro Brilha - 04: O Aniversário dos 365 - de Anderson Silva

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O ANIVERSÁRIO DO 365

A história que irei contar não será a minha, apesar de várias pessoas gostarem de mim...
A história que vocês conheceram a seguir será do meu irmão mais velho. Ele infelizmente não tem muito tempo, falta apenas poucos minutos para o relógio dar 00:00. Eu, portanto, também não posso demorar muito, preciso me despedir dele.
Minha família é grande. Muito grande para ser sincero. Cresci junto com meus outros 364 irmãos, e normalmente vivemos em paz. Isso, quando um ou outro faz uma intriga por besteira. Atire a primeira pedra quem nunca desejou socar o irmão. Mas, no final das contas, todos acabam juntos, especialmente quando vamos comemorar o aniversário do 365!
O 365 é o nosso irmão mais velho. Ele é o mais experiente e o único que suporta todos os outros. Para ser sincero, dentre todos ele é o único que consegue reunir a família inteira para o seu aniversário. Talvez porque dentre todos os eventos que eu e meus irmãos carregamos, o dela seja o mais especial.
Os seres humanos acreditam tanto no meu irmão, que em todos os aniversário dele, sempre fazem as mesmas promessas. Quem sabe é o sentimento de esperança que meu irmão deixa após dar seu último suspiro. Esperança está que fica para o nosso caçulinha 01 cuidar.
Isso me fez lembrar de uma conversar que eu tive com o 01 certo dia. Estávamos sentados a beira do tempo, observando nosso irmão 285, um dos poucos que comemoram dois eventos ao mesmo tempo. E neste dia estávamos lá o observando, quando ele perguntou:
- Queria que meu evento fosse tão especial quanto o seu?
- Ué, mas você tem. Você carrega consigo um evento muito importante. O dia mundial da paz.
- Paz... de que adianta carregar esse evento, se durante todo os aniversários dos meus irmãos, os seres humanos continuam praticando o ódio, a guerra. Eles não ligam mais para mim.
- Não diz isso. Todos nós somos importantes. Todos nós carregamos uma mensagem.
- Você fala isso porque no seu, os seres humanos comemoram o nascimento do Salvador.
- Também. Só que não é por nossa culpa, que os humanos ainda fazem guerra, brigam entre si. Sempre estamos lá, lembrando-os o que o amor e o respeito existem. Sem contar, que o 365 acredita em você mais do que qualquer um.
- Eu também acredito nele. Só que infelizmente meu evento não é mais tão importante assim, 359.  Até o seu também, com o tempo será esquecido.
- Eu acho difícil. Sabe por quê?
- Por quê?
- Por que enquanto tiver uma pessoa acreditando na gente, nossa mensagem ainda será espalhada por aí
Vocês devem está achando que eu que inventei está frase, né?! Gostaria de dizer que sim, mas não foi. Eu a ouvi pela primeira vez, no último aniversário do 365.
- Quantos minutos?
- 5.
- E os humanos?
- Estão se reunindo. Alguns com suas famílias, amigos. Outros sozinhos. Mas ambos, estão renovando suas promessoas.
- Sabe o que é legal 359?
- O que?
- Mais um aniversário, e consegui trazer esperança para as pessoas.
- Porém é triste ter que ver você partindo novamente.
- Sabe que este é o ciclo. Eu tenho que ir, para o 01 nascer.
- Sei lá, deveria ter outro modo. Não precisava ser assim.
- Todos os anos e você é o mesmo sentimental.
- É que vai demorar até eu te ver novamente.
- O tempo funciona no seu devido ritmo. Nem muito rápido, nem muito lento.
- Juro que um dia irei entender essas suas frases.
- Embora os humanos às vezes esqueçam o real motivo de vocês existirem, nunca desistam no evento que foi dado a vocês. Podem ter certeza, que o que vocês trazem é especial para alguém. Enquanto tiver alguém acreditando, nunca desistam!
Certo que eu fiz umas modificações, claro não quero plagiar meu irmão. Mas ouvir isso dele, me fez ficar mais confiante sobre o que eu e meus outros irmãos carregamos. Eu por exemplo, consigo reunir a família e amigos, a passarem uma noite juntos, felizes. Sem contar que consigo com que milhões de crianças durmam, com a esperança de acordarem no dia seguinte com um presente do velhinho vermelho.
Às vezes até faço competição com meu irmão 285, em saber de qual de nós as crianças mais gostam. Ganho em 100% das vezes, lamento irmãozinho.
Independente de qual evento cada um carrega, ambos são importantes. Mesmo aqueles que não tem eventos que são comemorados mundialmente. Isso o 365 sempre fez questão de lembrar.
- Não chora, 142! Em breve estarei de volta.
- É triste vê-lo ir sempre. Se eu pudesse trocaria meu evento com você.
- Não faça. Você é importante, tanto quanto eu. Todos vocês são. Embora os humanos esqueçam de um ou outro, todos tem uma data que é importante para alguém. Agora, para de choro, e vem cá me dar um abraço, 142!
- Volte logo viu.
- Voltarei, não se preocupa. Agora quero todo mundo se abraçando. Todos somos 142 hoje!
É... como eu disse, 365 é o único que consegue unir todos. Eu confesso para vocês que não imagino como eu e todos os meus irmãos conseguimos abraçar o 365. Acho que se vocês vissem, também não acreditariam.
Mas nosso irmão é assim. Ele é que nos uni, renovando cada ciclo o quanto somos importantes. Tá, tá... sei que o 01 pode ter um pouco de razão. Os humanos aos poucos acabam esquecendo da gente, e ignoram a nossa importância. Como é o caso dos meus irmãos que não tem uma data específica.
Talvez seja por não ter uma data fixa, tenha os deixado um pouco esquecido.
- Olha só, dessa vez meu evento caiu para 223. Os humanos mal se lembram dele. Se tivesse continuado comigo, eles se lembrariam.
- Que é isso, 224. Esse evento quase sempre cai em você. Não é culpa do 223.
- Você fala isso, porque nunca trocaram evento com outro. Espera isso acontecer, que você vai ver.
- Somos uma família, esqueceu. Temos que comemorar que todos estão fazendo seu papel.
- O 132 não teve essa dificuldade.
- Aí você está falando em eventos diferentes. São ocasiões diferentes, que afeta os seres humanos de modo diferente. Você precisa entender que não é data que marca em si. Mas sim o evento que está data carrega. Garanto que mesmo que eu meu evento caísse eu uma data que não fosse a minha, as pessoas iriam se lembrar dele. Por que ele é especial para alguém.
- Quer dizer que o meu evento não é especial?
- Não estou querendo dizer isso, estou apenas dizendo que alguns conseguem sensibilizar mais que outros. Mas todos tem sua importância. Se fosse assim, para que os criariam?
Meus irmãos têm uma certa inveja um dos outros, principalmente os que não tem evento fixo. Eles ficam comparando a quantidade de humanos que afetam durante determinada data. Eu particularmente não ligo para isso, assim como o 365 também não.
- Quantos minutos?
- 1.
- Está chegando a hora, pessoal. Em breve o 01 nascerá, e com ele mais uma vez a fé das pessoas em buscarem um novo ano de sonhos e realizações. Como estão os humanos.
- Estão se aglomerando para começar a contagem regressiva.
- Eu sei que muitos aqui não acreditam que chegará um momento que as pessoas não ligaram mais para nós. No entanto, peço que cada um olhe lá para baixo, e veja quantas pessoas estão reunidas agora. Elas até podem ser as mesmas pessoas que passaram o ano brigando entre si. Uma querendo ser superior que a outra. Que mataram, que cometeram crimes, que perderam a esperança. No entanto, peço que agora olhem para elas. Juntas uma com as outras, aguardando o velho ano partir, e novo ano chegar. São essas mesmas pessoas, que comemoram o nascimento do Salvador. Que comemoraram a época do coelho mais famoso do mundo. Que gostam de criar eventos sem sentido, só para o motivo de sermos lembrados. Então não deixem de acreditar nelas, assim como também elas não deixaram de acreditar na gente. Se hoje estão fazendo a contagem regressiva, é porque elas querem reviver todas essas datas mais vez.
Meu irmão fala que eu sou o emocional, mas esses discursos antes dele partir é mais sentimental que os meus. Mas ele tem razão. Eu hoje entendo o sentido de tudo, e vejo as coisas agora diferente. Pode acabar e iniciar ciclo, mas todos continuaremos lá. Não importa quanto tempo passe, não importa se as pessoas nos esqueçam às vezes, sempre estaremos lá, fazendo o nosso papel.
E eu sei que você, que está lendo agora, lá no fundo não ver a hora deu chegar novamente em sua vida, para trazer aquela sensação boa de família reunida. Aquela sensação de que por mais que pareça ao longo dos demais dias, você não está sozinho.
Assim como também, nesse momento você deve está reunido com aqueles que você gosta, esperando a contagem regressiva para o novo ano chegar. Que o nosso caçulinha consiga renovar os desejos que 365 está preste a dizer em instantes.
Bem, vocês têm sorte que em instantes estarão comemorando um novo ano, com aquela roupinha branca de sempre, muitos na praia... não sabe da inveja que tenho de vocês humanos. Eu, no entanto, terei que aguentar meu irmão dizer mais um discurso motivacional de todos os anos, vê-lo partir, ficando no lugar o 01.
Aproveitam suas festividades, ano que vem estaremos juntos novamente. Agora tenho que ir... Tchau!

FIM
dezembro 23, 2019

Dezembro Brilha - 03: O Natal dos Gilbert - de Eduardo Moretti

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Conto Especial de Natal
O Natal dos Gilbert

Escrito por Eduardo Moretti

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17 de Dezembro de 1978 – Montana, Estados Unidos
Fazia muito frio naquela época do ano em Montana. – A região era toda cercada por florestas e montanhas, e em alguns dias perto do natal chegava até a nevar. E como era bonito! Eu adorava ver a neve caindo através da janela, o clima da magia do natal e por mim podia nevar o ano todo. Exceto pelo frio rigoroso que nos fazia ficar a maior parte do tempo trancados dentro de casa sem poder fazer nada. Não podíamos ir até o lago para dar um mergulho, nem correr pela mata brincando de pique-esconde ou ir pescar peixes no riacho, ou até mesmo sair sem rumo para cavalgar. – Isso! – exclamou Dothy em alto e bom som ao se lembrar do presente de natal que ganharia do Papai Noel naquele ano: Uma cela novinha para ela poder montar em Amuleto, seu cavalo branco como a neve. - Dothy o adorava e dera esse nome para o cavalo quando ele ainda era apenas um potrinho desajeitado, mas que mesmo assim a livrava de levar um coice de sua mãe ciumenta quando Dothy se aproximou dele na maior inocência para lhe fazer um carinho, e ela nem percebera que seria atacada, apenas sentiu o empurrão dado pelo potrinho que a partir daquele momento ela cismou de querer o animal para si e depois de muito insistir com o seu pai, ele lhe dera o cavalo de presente e ela o chamou de Amuleto, alegando que ele salvara sua vida e que lhe traria muita sorte. – Dothy sorriu feliz, já que finalmente teria uma cela só para ela e não precisaria mais esperar pela cela de seu pai quando ele chegava em casa e ela aproveitava para pegar a dele emprestada e saia sem rumo para dar uma volta com Amuleto. – Além de Dorothy ou Dothy como era chamada carinhosamente por todos que tinha nove anos de idade, os Oleson ainda tinha mais dois filhos, Henry o mais novo com seis anos de idade que sonhava em ser Cowboy, era marrento e vivia querendo ajudar o pai nas tarefas do Rancho e ficava nervoso quando o pai lhe dizia não, já que nem tudo dava para uma garota na sua idade ajudar. Já Elizabeth a primogênita de Charles e Karen, havia completado treze anos no último verão, e era uma boa garota, responsável e inteligente, levava os estudos muito a sério na única escola que ficava há quilômetros dali no pequeno Vilarejo de Nova Esperança. E diferente de Dothy que viva no mundo da lua e era mais sonhadora e determinada. Beth tinha os pés no chão e era bem obstinada e sabia muito bem o que ela queria ser quando crescesse... Média! Ou simplesmente Doutora, como seus pais diziam. – E foi perdida em seus devaneios e sorrindo como uma boba com o seu olhar perdido olhando a neve cair lá fora, que Dothy voltou à realidade depois de ter o ombro cutucado pela mãe que se aproximara de mansinho e sorriu com ternura para a filha.
- Sonhando acordada de novo, Dothy? – perguntou enquanto fazia um carinho no rosto da filha que era ruiva e tinha algumas sardas em seu rosto.
- Ou estava viajando no mundo da lua, como sempre não é mesmo Dothy? – perguntou Beth sorrindo e entrando no quarto com uma pilha de roupas recém recolhidas do varal.
- Nem uma coisa, nem outra. Eu estava apenas pensando um pouco na vida... Em como eu amo o Natal e essa época do ano. Tudo fica tão mais bonito e harmonioso, a senhora não acha mamãe?
- Claro com toda certeza minha filha. Nós só não podemos esquecer o mais importante, que é o nascimento do menino Jesus, e de ter sempre um bom coração e fazer o bem sem olhar a quem. E eu me orgulho dos filhos que criei, porque todos os três são excelentes filhos. – disse sorrindo satisfeita.
- Obrigada mãe. – disse Beth. – A senhora e o papai são os melhores pais do mundo.
- Eu mal posso esperar para ganhar o meu presente. O papai disse que se eu pedisse a cela para montar no amuleto e me comportasse bem, o Papai Noel iria me dar cela com certeza. – disse entusiasmada.
Karen olhou para a filha mais velha com o semblante preocupado e ambas tentaram mudar de assunto.
- É mais ainda faltam alguns dias pra o natal, Dothy. Não dá para diminuir o entusiasmo só um pouquinho? E depois pode ser que o papai Noel não te traga a cela ainda esse ano. – tentou dizer Beth escolhendo bem as palavras.
- E porque ele não traria Beth? Eu me comportei bem esse ano, e estou pedindo a cela para ele tem pelo menos seis meses já. Sem contar na cartinha que eu escrevi endereçada a ele no pólo norte, que por falar nisso eu preciso ir até Nova Esperança entregar a carta para o senhor Ross, o carteiro.
- Eu só quis dizer Dorothy que o Papai Noel tem muito pedidos de milhares de crianças no mundo todo para atender e que nem sempre ele consegue realizar o pedido de todos. Você se lembra a dois anos que eu pedi aquele livro caro de literatura que me ajudaria nos estudos? Então, ele não me trouxe naquele ano, mas se lembrou de mim e me deu no ano passado.
- Mas pra mim ele não irá se atrasar, eu tenho certeza de que o Papai Noel trará a minha cela ainda esse ano. Eu estou louca para ter uma cela só minha e assim poder sair por ai cavalgando no Amuleto a hora que eu quiser. – disse de olhos fechados como se já imaginasse a cena.
- Dothy minha filha, porque você não vai brinca lá fora um pouco, o seu irmão estava no celeiro cuidando da palha, vê se ele não quer brincar com você um pouco querida. – sugeriu Karen apreensiva.
- Eu não. O Henry não sabe brincar, muito menos perder. Ele não aceita que eu seja melhor e mais inteligente que ele em muitas coisas, depois fica reclamando feito um bebê chorão. Eu vou é até a cidade levar a minha carta para o senhor Ross colocar ainda hoje no correio. È o melhor que eu faço. Tchau mamãe, tchau Beth. Até a volta.
- Tchau minha filha e que Deus a abençoe e te proteja sempre. – disse sorrindo com carinho par a filha.
Dothy saiu cantarolando, enquanto Beth olhando ela sair foi se aproximando da mãe devagar.
- A senhora não acha melhor contar logo toda a verdade pra ela? Assim ela se acostuma logo com a idéia. A Dothy é muito sonhadora e quanto mais o natal se aproxima, mais ela irá se decepcionar. – disse Beth preocupada.
Dothy havia esquecido o seu chapéu e ao voltar para apanhá-lo, ela ouviu toda conversa da mãe com a irmã. E não demorou muito para que os seus olhos se enchessem de lágrimas e uma grande tristeza abatesse o seu coração.
- Acha que eu não penso da mesma forma que você, Beth? Mas como dizer para seus filhos tão pequenos ainda que não haverá presentes e nem ceia de natal este ano? – se perguntou angustiada enquanto colocava a mão em cima do peito. – Deus sabe que eu mal tenho conseguido dormir direito a noite só de pensar na nossa situação. – disse se sentando na cama.
- Esta tão ruim assim mamãe? – perguntou Beth olhando para a mãe com ternura.
- Infelizmente sim Beth. Com a última nevasca nós perdemos toda a colheita, e sem colheita não há alimentos para se vender ou consumir, plantar então fica impossível. O seu pai estava tão animado com a venda da colheita este ano que já estava praticamente toda negociada. Ele investiu em produtos, sementes, maquinários e o pior de tudo são os credores que não esperam. – disse entre meio a um soluço. – Eu não sei o que nós vamos fazer... E ainda tem o senhor Oleson que não perdoa e nós precisamos pagar o arrendamento do rancho. Eu nunca pensei que pudéssemos passar um natal tão apertado como esse. Não por mim e nem pelo seu pai, afinal nós somos adultos e enfrentamos qualquer coisa por nossos filhos, mas privar vocês de ganhar seus presentes e de ter uma ceia de natal farta, isso é o que mais nos dói e contraria.
- Eu sinto muito mamãe. Mas temos que ter fé e confiar em Deus, tudo vai dar certo. Agora quanto aos presentes o Henry e a Dothy terão que entender, assim como eu entendo. E se eu saísse procurando faxinas para fazer na casa das madames no Vilarejo? – perguntou toda sorridente. – Eu sei que elas não pagam muito, mas quem sabe pelo menos eu poderia salvar a nossa ceia e talvez pagar o empório do mês.
- Eu fico feliz que queira ajudar Beth, mas não sei se seria uma boa idéia e depois o seu pai pode não gostar. Hoje mesmo ele disse que vai sair para a caça, eu estou rezando para que ele encontre um peru, um coelho, enfim, alguma coisa para não passarmos em branco com a ceia deste ano. O pobre do Henry não para de falar no peru e das rabanadas todos os dias... Ele diz que o natal é o seu dia preferido do ano, onde ele pode comer tudo que mais gosta e ganhar presentes. Acho até que ele anda sonhando com tudo isso, pobrezinho. – disse começando a chorar.
- Não fica assim mamãe, vai dar tudo certo. A senhora vai ver. – disse Beth consolando a mãe com um abraço.
*****
Lá fora o terreno era grande e havia muito espaço para a crianças brincarem. O rancho era simples, mas muito bem feito e cuidado, havia um pequeno estábulo para os três cavalos que os Gilbert possuíam, havia também um cercado para galinhas, mas com a nevasca algumas não resistiram e acabaram morrendo. E as duas que sobraram viraram dois belos ensopados que rendeu aquela família quatro refeições. – Charles tinha planos de fazer um galinheiro coberto, voltar a criar galinhas, porcos e uns dois ou três bezerros, para assim terem ovos, leite e carne, além de também poder vender uma parte dos ovos e do leite no Vilarejo, mas a situação estava muito difícil sem plantação, sem dinheiro ou alimentos, e com a sua dívida cada vez maior no empório da cidade. Ele chegava a ficar com vergonha da situação humilhante que estava vivendo, mas se mantinha firme, forte e de cabeça erguida, pois tinha uma linda e compressiva esposa que era sua melhor amiga, e três filhos maravilhosos. Não fosse por eles, ele nem sabe o que já teria feito. O que mais lhe doía o coração era pensar no natal que se aproximava e o fato de não poder dar presente aos filhos ou uma bela e farta ceia. Além de claro, a possibilidade de perder o arrendamento do rancho e ter que deixar o primeiro lugar onde eles foram felizes e chamaram de lar, sem ter para onde ir. – E foi terminando de arrumar uma trouxa com suas coisas e pendurando no lombo de seu cavalo que ele viu Dothy sair correndo de casa e notou-a triste.
- Hei Dothy... Dothy minha filha, venha cá um instante. – disse sério.
Dorothy relutou um pouco, mas depois foi até o pai disfarçando e limpando suas lágrimas.
- O que houve minha querida? Por acaso você andou chorando? – perguntou preocupado.
- Não é nada não, pai. É só um cisco que caiu no meu olho, logo passa. – disse disfarçando. – O senhor já vai sair para a caça?
- Vou sim minha filha e se Deus quiser eu darei sorte e trarei uma boa caçada para o nosso natal. – disse otimista.
- E ele quer pai, pode acreditar. Eu vou rezar para Deus que abençoe o senhor e a sua caça. – falou sorrindo.
- Amém! Agora venha cá, da um abraço no pai. Dentro de uns quatro ou cinco dias, eu estarei de volta.
Os dois se abraçaram bem forte e se emocionaram. Cada qual com os seus motivos e razões, que só eles conheciam, mas que Deus sabia de tudo. – Karen e Beth foram se aproximando devagar, cada uma trazendo um saco com coisas para Charles levar á caçada, roupas, comida, etc. E voltando de sua pescaria, Henry estava todo orgulhoso por ter pegado três peixes grandes.
- Olha só como eu tenho a família mais linda do mundo! Eu sou um homem muito abençoado. – disse Charles feliz.
- Nós também somos muito abençoados por ter você como chefe dessa linda família meu amor. – disse Karen emocionada ao abraçar o marido.
- Pai! Olha só quantos peixes eu peguei? – disse Henry acelerando os passos e depois vindo correndo na direção do pai com a mão erguida e sacudindo os peixes que estavam presos no anzol.
- Mas que bela pescaria filho, vejo que você aprendeu como fisgar os peixes. – disse sorridente.
- Também com as suas dicas e as iscas que me ensinou a fazer fica fácil. Eu aprendi com o melhor pescador do mundo.
- Obrigado filho. Mas sem o seu empenho e esforço, eu nada teria conseguido te ensinar. Lembre-se disso, a prática, o esforço e a fé devem sempre andar juntos para conseguir tudo o que sonhamos. Eu te ensinei, mas o mérito foi todo seu.
- E graças a sua pescaria nós teremos peixe por pelo menos dois dias. – comentou Karen sorrindo para o filho caçula.
- Bom eu preciso ir andando se quiser começar a caça antes que anoiteça. – disse Charles colocando suas coisas na carroça. – Vocês três se comportem e obedeçam a sua mãe. Eu amo vocês.
- Nós também te amamos papai. – disse Dothy com lágrimas nos olhos.
Charles olhou com ternura para os filhos e depois se aproximou de Karen dando um beijo no seu rosto com muito carinho.
- Eu amo você, minha linda esposa.
- Eu também te amo, Charles.
- Eu volto na véspera do natal trazendo uma boa caçada. Eu prometo. – depois olhou para os filhos e disse a mulher baixinho: Vocês podem não ter o natal que sonharam, mas terão o melhor natal que eu puder lhes dar, eu prometo. Enquanto eu for o chefe dessa família e Deus me der forças e saúde, nada há de faltar em nossa mesa.
- Amém! Que assim seja meu querido esposo. Lembre-se do que o reverendo Jacob disse na missa de domingo: “Toda família que permanecer unida e na fé do nosso senhor Jesus Cristo, enfrentarão todas as dificuldades e as vencerão”. Vai tranqüilo, eu cuido de tudo. E não se preocupe que tudo se arranja, o importante é estarmos todos reunidos, no ano que vem eu tenho certeza de que a colheita e o natal serão bem mais fartos. – disse sorrindo.
- Obrigado por tudo Karen, eu não conseguiria sem você, meu amor.
- Deus é bom, Charles. – gritou Karen com lágrimas nos olhos.
- O tempo todo. O tempo todo, minha querida. – gritou de volta.
Charles seguiu viagem chorando igual criança. Ela estava muito preocupado com a sua situação e com o natal. No mínimo ele teria que dar um natal digno a família com uma bela ceia e uma mesa farta, e disso ele não abria mão. Era uma questão de honra. – Karen e Henry depois de verem Charles sumir no meio da estrada, resolveram entrar e começar a limpar os peixes para temperá-los já para o almoço, enquanto Dothy e Beth ficaram conversando do lado de fora.
- O que esta acontecendo Dothy que você esta muda e pensativa desde que saiu de casa? Não é do seu temperamento ficar muito calada.
- Não é nada Beth, me deixa. Eu só estou pensando. E você esta atrapalhando a minha concentração.
- Tudo bem então, já não esta mais aqui quem falou. – disse Beth seguindo caminho rumo ao vilarejo.
- Hei Beth, espera. Aonde você vai? – perguntou curiosa.
- Até o Vilarejo, mas eu pensei que estivesse te atrapalhando e que você não quisesse conversa.
- Me desculpa, é que eu estou um pouco nervosa. Será que eu posso ir até o Vilarejo com você?
- Claro que pode. Vamos então que nós temos que voltar antes do almoço.
- Me espera só um minuto que eu vou pegar o Amuleto. – disse saindo correndo em direção ao celeiro.
- Mas pra que você quer levar o Amuleto? Ele só vai nos atrasar ainda mais. Ai Dothy, eu já estou começando a me arrepender por ter te convidado.
As duas caminharam caladas até chegarem ao Vilarejo. Dothy não queria que a irmã soubesse aonde ela iria, mesmo após Beth ter perguntado quando chegaram no local e Dothy apenas se separou dela dizendo que seguiria por outro caminho que daria ao seu destino. – Beth então também seguiu adiante e entrou no Empório local.
- Bom dia senhor Williams, como vai o senhor? – perguntou toda simpática.
- Bom dia menina Beth. Eu vou bem obrigado e a senhorita como esta? Em que posso ajudá-la?
- Bem obrigada.
- Eu gostaria de falar com a senhora Williams, ela esta? Trata-se de um assunto muito importante.
- Ah sim, claro. Me acompanhe menina, eu vou levá-la até ela.
- Obrigada.
Enquanto isso, Dothy tocava a campainha do casarão do senhor Oleson, o homem mais rico de toda Montana e ela estava visivelmente nervosa e cansada depois da luta que tivera com o seu cavalo para amarrá-lo a árvore na frente do casarão. – Uma senhora já de meia idade, séria e bem vestida foi quem atendeu a porta.
- Pois não mocinha? Em que posso ajudá-la? – perguntou com um meio sorriso, forçando simpatia.
- É aqui que mora o senhor Oleson? – perguntou curiosa olhando tudo dentro do casarão.
- É aqui sim. Mas creio que a senhorita já sabia disso não é mesmo? Então vamos direto ao ponto, pois eu tenho esse casarão todo para administrar. O que você deseja?
- É que tenho um assunto particular para tratar com o senhor Oleson. Ele esta?
- Assunto particular? Sei... Acontece que o senhor Oleson esta muito doente e repousando no momento, ele dificilmente recebe visitas, e eu tenho comigo que ele jamais iria receber uma criança, afinal ele detesta crianças.
- Eu não posso acreditar nisso senhora, me desculpa. Jamais em toda minha vida eu conheci alguém que não gostasse de crianças. E depois eu já sou uma mocinha, não sou mais criança. Então logo o senhor Oleson irá gostar de mim, eu tenho certeza de que nos daremos muito bem. – disse esperançosa e sorrindo.
- Esta bem, mocinha insistente. Eu irei chamá-lo e ver se ele pode recebê-la. Espere aqui que eu já volto. – disse a governanta.
Dothy ficou admirada olhando todo o inteiro do casarão e ficou pasma com o tamanho da sala. – Com certeza a minha casa toda caberia aqui dentro. – pensou ela surpresa. De repente o barulho de passos da governanta e de um senhor tossindo muito ecoaram pelo casarão, fazendo Dothy voltar a si.
- É essa a menina que quer falar comigo? – perguntou a medindo de cima a baixo e sério.
- Sim, senhor Oleson.
Dothy também o olhou séria e tentou disfarçar o seu espanto ao ver que o senhor estava em uma cadeira de rodas.
- Muito prazer senhor Oleson, eu sou Dorothy Gilbert. – disse sorrindo e estendendo a mão para ele, que se recusou a cumprimentar a menina que recuou sem graça.
- Gilbert? Por acaso o seu pai é Charles Gilbert?
- Sim senhor. É ele mesmo.
O velho Oleson a examinou por mais alguns segundos querendo entender o que ela queria falar com ele e depois disse:
- Bom eu sou todos ouvidos. E tenho pressa. Não posso ficar perdendo o meu tempo, portanto se você puder dizer logo o que a trouxe até aqui, eu ficaria muito satisfeito.
Dothy olhou para ele e depois para a governanta e disse baixinho se aproximando do senhor Oleson:
- É um assunto particular. Será que o senhor poderia me dar cinco minutos do seu tempo?
Depois de pensar um pouco, ele respondeu:
- Tudo bem. Eu te dou dois minutos e nem um segundo a mais mocinha. – disse e depois se virou para Ordália, sua governanta. – Ordália, por favor, nos deixe a sós.
- Sim senhor Oleson. Se precisar é só chamar. Com licença.
- O senhor tem uma linda casa, senhor Oleson. – disse sem saber o que dizer.
- Obrigado. Mas eu gostaria que você fosse direto ao ponto. O que a trouxe até aqui e o que tem de tão importante para falar comigo?
- Bom se trata de um assunto muito delicado que eu nem sei por onde começar.
- Pois trate de arranjar logo um jeito de começar a falar porque o seu tempo esta acabando e eu não tenho tempo a perder.
- Tudo bem. – disse cabisbaixa. – É sobre o aluguel do seu rancho onde meu pai e a nossa família moramos. Eu sei que ele esta atrasado em um mês e com a última nevasca meu pai perdeu toda a plantação e ficou endividado. Ele é um homem muito honesto e trabalhador, mas infelizmente esse mês, ele também não irá poder pagar o aluguel do rancho.
- Como é que é? Eu não posso acreditar no que os meus ouvidos acabaram de ouvir! – disse exaltado. – Escute aqui garotinha, o seu pai me garantiu que acertaria esse mês o aluguel atrasado e mais o que vence daqui a três dias. E se ele não cumprir o prazo, vocês é que terão três dias para deixar o meu rancho e para sempre, ouviu bem? Diga isso a ele, já que o covarde não foi capaz nem de vir aqui me encarar, mandando a própria filha como mensageira.
- Hei calma lá senhor Oleson. O meu pai não é nenhum covarde, e depois ele nem desconfia que eu vim até aqui falar com o senhor.
- Não me interessa. Você nem devia ter vindo até aqui me aborrecer com esse tipo de assunto. Negócios eu só trato com homens adultos e de palavra, o que pelo que eu vejo não é o caso do seu pai.
- O meu pai é um homem digno, trabalhador e honesto. Eu não admito que o senhor fale assim dele. Sabe onde ele esta agora? No meio da floresta caçando para trazer alguma comida para casa que salve o nosso natal, já que esse ano ele não tem como pagar o empório também. Mas o senhor não se importa nem um pouco não é mesmo? É rico, terá uma mesa farta no natal pra sua família, que pro senhor tanto faz.
O Senhor Olseon ficou pensativo por um momento com as palavras de Dothy que acabaram ferindo o seu velho e solitário coração.
- Escute aqui mocinha, tente entender... Eu não posso permitir que o seu pai fique no rancho sem me pagar o que deve, é meu direto. Afinal as terras são minhas ou não são? – disse mais sereno.
- Eu entendo perfeitamente senhor Oleson, mas eu não vim até aqui pedir para o senhor perdoar a dívida ou adiar o pagamento, nada disso. Eu vim fazer negócios, propor uma troca justa para que ninguém saia perdendo e a minha família, meu pai, minha mãe e os meus irmão que eu tanto amo, continuem tendo um teto para morar. Se o senhor nos tirar de lá, nós não teremos pra onde ir, e nós já recomeçamos e mudamos tantas vezes, que já estamos cansados. E finalmente aqui nós sentimos que encontramos um lar de verdade. Eu amo Montana e não gostaria de ter que partir mais uma vez... Mas acho que o senhor não entende nada disso, nunca precisou de nada, nem passou por tais dificuldades na vida, tem tudo o que precisa.
- Escute aqui menina, eu já me aborreci muito com toda essa conversa. – disse visivelmente abalado. – Você disse que tinha um negócio para me propor, diga logo que negócio é esse?
- O meu pai me deu um cavalo, ele é um ótimo animal, forte, machador e muito bonito também. Ele se chama Amuleto porque me trouxe muita sorte nessa vida, mas agora parece que ele não esta mais me trazendo tanta sorte assim... Eu queria dar ele pro senhor, em troca desses dois meses de arrendamento atrasados, é o tempo do meu pai se reerguer, a nevasca passar e ele voltar a trabalhar na lavoura de novo. Ele disse que a colheita esse ano promete, e eu de verdade rezo todos os dias para que ele esteja certo, porque eu não agüentaria ver a tristeza nos olhos dele de novo por não poder oferecer nada, nem mesmo o essencial a sua família. Por favor, senhor Oleson, por mais que me doa por dentro me desfazer do Amuleto, eu preciso que o senhor aceite a minha oferta, isso irá salvar a minha família de um destino cruel e ainda incerto. – disse por fim com lágrimas nos olhos.
- Acho que a sua oferta é inviável pra mim garota. Entenda... Mesmo que eu quisesse te ajudar e fazer esse negócio com você, o seu cavalo não me serviria de nada. Eu mais de trinta cavalos na minha fazenda, todos de raça Manga larga machador e puro sangue inglês, e esses sim valem uma pequena fortuna, e depois como você mesma pode ver eu não posso mais montar desde que fiquei preso a essa maldita cadeira de rodas. Eu sinto muito, mas o dinheiro do arrendamento do rancho pra mim ainda tem mais serventia. – disse por fim já comovido e com pesar.
- Eu entendo senhor Oleson. O senhor ai apegado a bens materiais e a dinheiro, e eu querendo me desfazer do meu pobre cavalo que um dia ainda recém nascido salvou a minha vida. Pro senhor ele pode até não valer muita coisa, mas pra mim ele tem um valor inestimável e sentimental. E mesmo que não haja dinheiro nenhum que pague isso no mundo, eu estou disposta a me desfazer dele para ajudar minha família. Mas não tem problema senhor Oleson, eu hei de encontrar alguém que queira comprar o Amuleto e quem sabe assim eu consiga lhe pagar pelo menos o aluguel que esta atrasado. Me desculpa ter tomado o seu tempo. Eu já vou indo... Boa tarde senhor Oleson. E eu desejo ao senhor e a sua família que tenham um Feliz Natal. – disse saindo cabisbaixa e triste.
- Garota espere... Não vá ainda. Tudo bem, eu aceito fazer negócio com você. Eu fico com o seu cavalo e dou não dois, mas três meses de aluguel do rancho em troca. Mas o seu pai terá que vir até aqui assim que chegar para que possamos fechar o negócio formalmente, combinado? E então o que me diz?
Dothy sorriu esperançosa e chorando correu até o senhor Oleson e o abraçou bem forte.
- Eu digo que ele virá e acho tudo muito justo, senhor Oleson. Muito obrigado mesmo de coração. Todo mundo diz que o senhor não tem um coração, mas não é verdade, o senhor só tem vergonha de mostrar que tem um. Mas eu lhe digo que não é fraqueza e não há problema nenhum em demonstrar nossos sentimentos e afetos, principalmente no Natal, pois Deus ajuda a todos as pessoas de bom coração. E fique sabendo que o senhor ganhou uma amiga a partir de hoje e eu agradeceria muito se de vez em quando o senhor permitisse que eu fosse visitar o Amuleto lá na sua fazenda.
- Eu acho justo e você tem a minha permissão garotinha. – disse sorrindo. – Me diz uma coisa, qual é o seu nome?
- É Dothy. Quer dizer na verdade é Dorothy, mas todos me chama de Dothy.
- Não poderia ser mais adequado. Dorothy. Pequena e sonhadora, destemida e determinada como a da história.
- O senhor esta falando de O Mágico de Oz? Acredita que eu nunca li essa história? Mas morro de curiosidade.
- Não seja por isso, tome. – disse ele apanhando um livro perto dentro da escrivaninha do seu lado. – Era da minha filha, mas ela o deixou aqui e nunca mais o levou. Agora ele é seu, pode ficar.
- Eu não acredito. Eu posso mesmo ficar com ele, senhor Oleson? Muito obrigada. Agora eu já vou indo que esta ficando tarde, mas eu volto qualquer dia desses. Tenha um bom dia e até mais.
Dothy saiu toda alegre e quando chegou lá fora viu Amuleto e voltou a ficar triste já que agora, ele não seria mais seu. Ela então deu um beijo em Amuleto ficando nas pontas dos pés e de despediu dele com o coração partido, em seguida ela correu o mais rápido que pode e sem olhar para trás. – E o senhor Oleson viu toda a cena de sua janela.
- Ordália, venha até aqui, por favor.
- Sim senhor Oleson.
- Peça ao John que recolha o cavalo que esta lá fora e o leve até o estábulo nos fundos.
- O senhor não prefere que ele o leve até sua fazenda? Receio que o estábulo daqui esteja um pouco apertado com os outros dois cavalos da charrete.
- Não será preciso levá-lo para fazenda. Ele ficará aqui por poucos dias... Eu já tenho planos para ele. – conclui sorrindo.
*****
Naquela tarde quando voltaram para casa, Dothy e Beth carregavam um belo sorriso estampado no rosto e tinham a sensação de dever cumprido por saber que estavam ajudando sua família, e logo contaram as novidades para sua mãe que ficou um pouco apreensiva.
- Sinceramente eu não sei se apóio ou condeno a atitude de vocês duas. Vejam bem, não me entendam mal, é claro que eu estou feliz e orgulhosa de vocês, eu sei que quiseram ajudar, mas Beth você ainda é muito nova para trabalhar, ainda mais assumindo a responsabilidade dos afazeres domésticos de uma casa. Eu não sei se o seu pai aprovaria...
- Mas é só por algumas semanas mamãe, até o término das férias escolares. Eu não estou fazendo nada mesmo, assim eu ajudo você e o papai. E depois a senhora Mackenzie é muito boa e justa, prometeu me pagar cinco dólares por dia, não é maravilhoso? – disse entusiasmada. – E depois eu sei que me sairei muito bem, eu já sei cuidar muito bem de uma casa, eu aprendi com a senhora lembra?
Karen sorriu satisfeita e sem palavras se virou para Dothy que estava feliz, porém pensativa e com o olhar distante.
- E você meu anjo... Como pode ser capaz de negociar o seu cavalo que tanto ama para quitar uma dívida que é nossa, minha e de seu pai? Olha só para você, esta tão triste, o Amuleto é a sua vida... O seu pai não irá aprovar sua atitude. O senhor Oleson é um homem muito difícil de lidar, o que ele deve estar pensando do seu pai agora? Que ele não tem coragem nem de ir pessoalmente falar com ele?
- Não mamãe, eu expliquei tudo direitinho para o senhor Oleson. Eu disse que o papai saiu para caçar por alguns dias e que assim que ele retornasse iria falar com ele e confirmar que a venda do cavalo é legítima. O senhor Oleson nos deu três meses de aluguel pelo Amuleto. – disse tentando conter o choro. – Eu vou ver o que o Henry esta fazendo. Com licença mamãe.
- Dothy espere... Ô meu Deus! Eu a conheço e sei que ela esta sofrendo muito com tudo isso. O Charles nunca irá aceitar isso, ele sabe o quanto o cavalo é importante para ela. Eu só não entendo como ela ficou sabendo da difícil situação financeira da qual no encontramos.
- Ela ouviu a nossa conversa de hoje cedo, mamãe. Ela confessou tudo... Disse inclusive que não era mais um bebê, que já sabia há muito tempo que Papai Noel não existe e que só gostava de manter acesa a magia do Natal.
- Pobre Dothy...
*****
Os dias foram passando lentamente... E cada membro da família Gilbert se mantinha firme em suas tarefas e propósitos. – A matriarca Karen cuidava da casa com a ajuda das filhas, além de dar continuidade as suas encomendas de costura e que de tanto ela pedir Deus, ele a abençoou com mais e mais pedidos. Beth saia todos os dias bem cedinho de casa com o sol ainda nascendo para trabalhar na casa da senhora Mackenzie. A mulher estava cada vez mais satisfeita com os seus serviços e dotes domésticos, que lhe prometera dar um peru e algumas guloseimas para a ceia de Natal. Dothy ajudava sua mãe com as tarefas do lar, além de sair para entregar suas encomendas e receber o dinheiro por cada uma delas. E Henry assim como o pai era um bom caçador, ou melhor, dizendo, um pescador já que ele continuava a pescar todas as tardes e nunca voltava para a casa sem trazer ao menos um peixe que fosse.
*****
Nas florestas das redondezas, há quilômetros dali, Charles também estava tendo sucesso em sua empreitada. Desde que saira de casa há alguns dias, ele havia enfrentado frio, chuva, fome, mas o pensamento na esposa e nos filhos o mantinha sempre firme, além de suas orações e conversas com Deus. – Charles conseguira matar um viado, dois coelhos e ainda ganhou duas galinhas limpas da última casa que o acolheram e onde ele se abrigou para se esconder da última nevasca. Mas o que o deixou mais feliz mesmo foi poder ter ajudado a família que o abrigou a fazer um conserto no telhado da casa e mesmo sem querer receber o homem foi bastante generoso e insistiu tanto que ele acabou aceitando o dinheiro e decidiu comprar presentes na volta para casa para seus filhos. Ele então hoje voltou para casa todo cansado, porém muito satisfeito e feliz. Agora sim, sua família teria o natal que merecia. – pensou enquanto sorriu bobo.
*****
24 de Dezembro de 1978 – Véspera de Natal
Charles chegou no rancho naquela tarde faltando apenas algumas horas para a ceia de Natal. – Todos correram para abraçá-lo e depois de matarem um pouco as saudades do pai, Karen pediu às filhos que lhes esperassem dentro de casa que ela queria ter com o pai deles. Karen contou ao esposo tudo o que havia acontecido nos últimos dias e Charles não aprovou a atitude de Dothy ter ido falar com o senhor Oleson, mas disse que iria relevar para não magoá-la e para não estragar o natal em família. – Mais tarde depois de tomar um banho e relaxar, Charles foi até sua carroça e pegou o dois sacos onde ele trouxera os presentes do filhos. A mesa da ceia estava linda e farta. Karen havia preparado um peru assado com batatas que Mary havia ganhado de sua patroa, mais arroz com lentilhas, rabanadas para alegria de Henry, fora a sobremesa que encheu os olhos de todos, uma linda torta de maçã com caramelo que era a especialidade da matriarca dos Gilbert.
- Parabéns Karen, a mesa está linda! – exclamou Charles com orgulho.
- Obrigada querido. – disse sorrindo satisfeito. – Tudo só foi possível graças à união dessa família. Cada um aqui compreendeu a nossa situação difícil e colaborou para que essa ceia se realizasse e fosse bastante farta e eu só tenho a agradecer a Deus por isso que foi muito misericordioso e atendeu o meu pedido. – concluiu emocionada por fim.
- Deus é bom o tempo todo meu amor, o tempo todo. E eu descobri que eu sou o homem mais afortunado de todo o mundo por ter uma família como vocês. Bom eu gostaria agora antes de começarmos a ceiar, de falar algumas coisas sobre os últimos dias... Primeiro eu queria agradecer ao segundo homem da casa, que foi muito valente pescando os seus peixes e trazendo para a nossa mesa todos o dias, alimentando suas irmãs e sua mãe. O pai ficou muito orgulhoso de você Henry, mas eu quero que você me prometa que de hoje em diante irá tirar um tempinho para se divertir e brincar como qualquer criança normal da sua idade, e não querer me ajudar o tempo todo e querer fazer coisas só de um homem adulto. Cada idade tem a sua beleza e experiência e é preciso vivê-las, antes que elas acabem e nós venhamos a nos arrepender no futuro. Combinado? Foi pensando nisso que eu tive o prazer de lhe comprar esse presente. – disse Charles tirando um embrulho redondo de dentro do saco e entregando para o filho que sorriu e impaciente tratou logo de abrir seu presente.
Henry ficou muito feliz ao desembrulhar o seu presente e ver que era uma bola de capotão. E não demorou muito para que ele logo a saísse chutando pela casa.
- É incrível pai, obrigado.
- Henry cuidado com as vidraças. – disse Karen rindo atoa.
- Bom continuando... Beth minha filha, eu queria que você soubesse que eu fiquei muito orgulhoso com o seu gesto de arrumar um trabalho para nos ajudar, por isso esse aqui é o seu presente.
- Para mim papai? Obrigada. – disse toda feliz. – Olha que lindo mamãe, é um vestido com mangas bufantes. Eu sempre quis ter um! Muito obrigada papai. – disse enquanto o abraçava.
- De nada querida. E para minha linda esposa... Outro lindo vestido. – disse a olhando com ternura.
- Oh Charles... Não precisava ter se incomodando comigo querido. – disse abrindo o presente e um belo vestido florido de mangas se revelou para a sua felicidade. – É muito lindo, Charles. Obrigada querido. – disse dando-lhe um rápido beijo.
- E finalmente para você Dothy, eu tenho dois presentes...
- Dois papai? – perguntou surpresa.
- Sim dois... Aqui esta um vestido igual o da sua irmã, mas com uma estampa diferente, eu quero as três mulheres da minha vida estejam lindas na missa de domingo. Ainda bem que eu consegui um trabalho de dois dias consertando o telhado de uma família abastada que me ajudou lá para os lados de Forrest Groove e foram muito generosos com o pagamento. Só assim eu pude comprar todos esses presentes e ainda por cima acabou sobrando um dinheirinho no bolso, não é ótimo? – perguntou rindo satisfeito.
- Obrigada papai, eu te amo. – disse Dothy o abraçando emocionada.
- Por nada minha filha. Agora eu tenho um assunto chato pra falar com você. É sobre a sua ida até a casa do senhor Oleson para tentar negociar a nossa dívida com ele e ainda por cima acabou vendendo o seu cavalo, o Amuleto que você tanto ama. Não era pra você ter se sacrificado desse jeito minha querida, essa era minha obrigação como pai e chefe dessa família.
- Eu sei que errei papai, me desculpe. Mas eu só quis ajudar e no fim deu tudo certo, o senhor Oleson deu três meses de aluguel do rancho em troca do Amuleto. – disse sem conter as lágrimas.
- Mas isso não esta certo minha filha, e amanhã mesmo eu irei desfazer esse negócio e prometo trazer o Amuleto de volta pra casa.
- Não papai, por favor, eu te peço que não faça isso. E quanto ao aluguel do rancho, como o senhor vai fazer?
- Eu falarei com o senhor Oleson e lhe farei uma proposta de divisão de lucros da nossa próxima safra para ir abatermos no aluguel, agora caso ele não aceite, eu sinto muito por todos... Mas nós teremos que deixar o rancho e Montana para tentarmos a sorte em outro lugar. – concluiu triste e com pesar. – E depois eu preciso fazer isso, porque sem o Amuleto aqui do seu lado, esse outro presente aqui que eu comprei especialmente para vocês dois não fará o menor sentido. – disse entregando o saco para Dothy, já que o presente era maior. – Abre querida.
Dothy abriu o presente com receio e quando viu do que se tratava não se conteve e começou a chorar copiosamente, deixando todos apreensivos.
- O que foi minha filha? – perguntou Karen preocupada.
- É a cela que eu tanto queria para montar no Amuleto e sair cavalgando por ai, já que eu nunca tive uma e precisava pegar a do papai emprestada.
- Mas agora você tem uma e ela é toda sua filha.
- Mas eu não tenho mais o Amuleto. Muito obrigado papai, mas pode ficar para o senhor ou até mesmo vender se quiser. – disse indo para o quarto chorando.
- Dothy espere minha filha, eu já disse que vou reaver o Amuleto amanhã... Filha, filha...
- Deixa-a Charles, ela precisa ficar sozinha agora. Amanhã será outro dia e nós veremos o que fazer. Daqui a pouco já é natal e nós nem começamos a ceiar ainda. Todos lavando as mãos agora que eu já irei servir. – disse Karen começando a tirar o peru do forno. – Naquele mesmo instante eles ouviram um barulho de charrete e foram olhar lá fora.
- Ué, mas quem será uma hora dessas?
- Só saindo para ver...
Todos então saíram apressados e até mesmo Dothy saiu por último e de mansinho. – Uma mulher desceu da carruagem e logo em seguida um capataz veio para trás montado em um cavalo.
- Boa noite senhor e senhora Gilbert. Me desculpe atrapalhar a ceia de natal de vocês, mas é urgente e eu precisava vir pessoalmente. O meu nome é Ordália, e eu sou a governanta do senhor Oleson, ou pelo menos fui durante quase quarenta anos, já que ele nos deixou no início dessa tarde.
- Oh meu Deus! Nós sentimos muito senhora. – disse Karen.
- O senhor Oleson morreu? – perguntou Dothy chegando correndo perto deles. – Mas por quê? Ele parecia tão bem.
- Olá Dothy... O senhor Oleson já estava muito doente e havia sido desenganado pelo médico meses atrás, ele só estava esperando a morte, o que confesso foi um alívio para ele e para mim quando ela o buscou hoje à tarde, devido a tamanhas dores e todo o sofrimento dele com essa doença ingrata. Mas a minha missão aqui é outra, o senhor Oleson esteja onde estiver eu só peço a Deus que ele descanse em paz. Ele gostou muito de você Dothy, disse naquele dia que você era a neta que ele queria ter tido e admirou muito sua postura, inteligência e esperteza. Além disso, ele viu também o quanto o seu cavalo era importante para você, e por isso ele decidiu mantê-lo no pequeno estábulo nos fundos da casa antes de mandá-lo para a fazenda, até que ele pudesse lhe devolvê-lo depois que os papéis estivem prontos.
- Papéis? – perguntou Dothy sem entender nada.
- Sim. Esses daqui que estão no envelope e são para o senhor Gilbert. – disse entregando o envelope para Charles que abriu na mesma hora e começou a ler o seu conteúdo.
- Essa é a escritura dessas terras que de hoje em diante passam a ser de vocês, da família Gilbert. O senhor Oleson iria lhe chamar para uma conversa, mas ele não teve tempo, mas deixou tudo preparado com a escritura lavrada em cartório e assinada por ele, portanto é tudo legal e seguro. Ele deixou essas terras para a sua família Dothy, de hoje em diante vocês estão livres do arrendamento e podem fazer o que quiser com essas terras. E tem mais... O senhor Oleson deixou também alguns animais como galinhas, porcos, vacas, para vocês criarem aqui e transformar esse lugar, no Rancho Gilbert, de onde vocês irão tirar todo o seu sustento. Os animais serão trazidos amanhã. E por último ele lhe deixou essa carta Dothy e lhe devolveu o Amuleto, pode trazer o cavalo senhor Kent... O Amuleto é seu novamente Dothy.
- Eu não acredito! Muito obrigada Ordália e senhor Oleson por tudo. – disse olhando para o céu feliz e emocionada. – Acho que agora eu vou querer a minha cela de volta papai.
Todos começaram a rir, enquanto Charles agradeciam Ordália, que foi convidada a participar da ceia junto com a família.
Dothy estava muito feliz por ter recuperado o seu cavalo, e perto dele ela começou a ler a carta do senhor Oleson, em meio a risos e choros:
“Querida Dothy,
É com imenso prazer e felicidade que eu lhe escrevo esta carta. E em breves palavras quero lhe dizer que gostei muito de te conhecer por sua inteligência, amor e bravura. Você é a filha ou a neta que eu sempre quis ter, mas que ao invés de pensar nisso, eu preferi cultivar uma vida solitária, sem família ou amigos, pensando cada vez mais em acumular riquezas quando na verdade aprendi com você naquela tarde em que negociamos o seu cavalo, que a verdadeira riqueza da vida não esta em posses ou bens materiais, mas sim na família, no amor, no carinho e respeito que uns temos pelos outros e isso você e sua família tem de sobra. São ricos de alma, de amor e de felicidade, que mesmo em tempos ruins continuam unidos e se ajudando e isso é tudo o que uma pessoa pode querer ter na vida: AMOR! O dinheiro nos ajuda sim, mas não compra tais riquezas e muitas vezes nos levam até a ruína. E tudo isso eu vivi na pele e da pior maneira possível, porém fico muito feliz de você ter me aberto os olhos e ter me dado a oportunidade de fazer o bem enquanto ainda me resta um pouco de tempo. Fique com o seu cavalo, ele é e sempre será seu. E seja muito feliz ao lado de sua família, eles são o seu maior tesouro. E vocês terão muito trabalho daqui pra frente com o rancho. Boa sorte.”
Com todo o meu carinho e admiração...
Do seu velho amigo, Senhor Oleson.

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FIM